Sanskrit & Trika Shaivism (English-Home)

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 Aprendendo Sânscrito - Primeiros Passos (4)

O alfabeto sânscrito e os níveis de Criação - Parte 1


 Introdução

Olá, Gabriel Pradīpaka novamente. Esta é a primeira de três documentos que lidarão com "O Alfabeto Sânscrito e os Níveis da Criação". Os primeiros dois documentos conterão o núcleo dos ensinamentos, enquanto que a terceira será uma espécie de sumário na forma de "apêndice" (cujo link será posto na respectiva seção "Apêndices", é claro). Estamos prestes a iniciar nosso estudo acerca do Alfabeto Sânscrito e os níveis da Criação. Havia um grande mestre do Trika (Shaivismo não-dual da Caxemira), seu nome: Abhinavagupta. Foi o autor de extraordinárias

Tantrāloka, Īśvarapratyabhijñāvimarśinī, Īśvarapratyabhijñāvivṛtivimarśinī, Tantrasāra, Parātriṁśikāvivaraṇa, etc.

Todas essas escrituras são uma verdadeira pérola do conhecimento.

O seu discípulo principal --Kṣemarāja-- continuou levando a cabo o trabalho de seu reverenciado mestre. Foi o autor do famoso Pratyabhijñāhṛdayam, bem como de Śivasūtravimarśinī. E é exatamente nesse Śivasūtravimarśinī que se concentrará nosso presente estudo. Śivasūtravimarśinī é de longe o mais completo comentário sobre os Śivasūtra-s (77 misteriosos aforismos que foram transmitidos ao sábio Vasugupta diretamente por Śiva). Vá à página Trika 1 (português) para mais informação. Os Śivasūtra-s contêm três seções que lidam com Śāmbhavopāya, Śāktopāya e Āṇavopāya, respectivamente. Esses "upāya-s" são "meios" para avançarmos em nossa jornada espiritual. Vá aos documentos da seção sobre Trika para mais informação. Cada pessoa começará a sua prática a partir de um desses "upāya-s". Śāmbhavopāya é direcionado a buscadores "muito avançados"; Śāktopāya é para buscadores "um tanto avançados"; e Āṇavopāya é para buscadores "medianos". Cada uma dessas seções tem 22, 10 e 45 aforismos, respectivamente. Nosso estudo será enfocado no sétimo aforismo da segunda seção (acerca de Śāktopāya). Apesar de essa seção ser direcionada a aspirantes "um tanto avançados",  os buscadores medianos não terão problemas com o supracitado aforismo, pois a lúcida explicação de Kṣemarāja, juntamente com meus simples comentários, farão "o truque". Finalmente, recomendo que você leia a Tabela Táttvica e Tattva-s & Sânscrito, quando necessário, para entender "completamente" todos os ensinamentos. De fato, ler "todos" os documentos da seção de Trika (além da "Tabela Táttvica") será certamente muito útil. Não posso explicar a você "todos" os tattva-s ou categorias da Criação novamente, pois corro o risco de colapsar!, haha! Não, a verdadeira razão é que o documento ficaria muito longo.

Importante: Tudo que está entre parênteses e no itálico, na tradução, foi adicionado por mim para completar o sentido de uma determinada frase ou oração. Por sua vez, tudo o que estiver entre hífens duplos (--...--) constitui informação adicional, adicionada por por mim para clarificar, exceto quando esses hífens duplos contêm uma palavra traduzida em vermelho.


Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.


Ao início


 Sétimo aforismo da seção II (Śivasūtra-s)

Como a segunda seção dos Śivasūtra-s lida com Śāktopāya, concede ensinamentos do ponto de vista de Śakti. Śakti é a Mãe Universal, porque "tudo" vem Dela. É por isso que é conhecida como "Mātṛkā" ou "Mãezinha". O sufixo "kā" também dá o sentido de "misteriosa". Assim, a tradução poderia ser "Misteriosa Mãe" também. Além do mais, a palavra "Mātṛkā" significa "letra". Há uma íntima relação entre "Śakti" e as "letras". Śakti é a fonte última de todas as letras que compõem o alfabeto. Por sua vez, cada letra é "outra" mãezinha, pois produz infinitos mundos. Note que uma palavra é um conjunto de letras. Por exemplo: "tolo". Se alguém o chamasse de "tolo", a sua mente ficaria perturbada, e raiva ou dor poderiam nela surgir. Talvez você nem consiga dormir na noite seguinte, por causa daquela "simples" palavra e dos inúmeros mundos de pensamento manifestados por ela. Foi isso que quis dizer por "pois produz infinitos mundos".

Você deve se perguntar: "Kṣemarāja e esse cara engraçado (eu) comentarão sobre um só aforismo ao longo de três longas páginas?!!". Sim! Uma das características de qualquer aforismo "apropriado" é que produzirá um longo comentário. Um aforismo deve sempre ser muito curto e o seu comentário, longo. Você ainda não acredita em mim, acredita? Bem, agora, o aforismo (não diga que eu não avisei, haha!):

मातृकाचक्रसम्बोधः॥७॥
Mātṛkācakrasambodhaḥ||7||

(De um Guru contente, provém) a Iluminação (sambodhaḥ) segundo o grupo (cakra) de letras (mātṛkā)||7||

Devido ao fato de o comentário de Kṣemarāja ser muito longo, eu o dividi em vários parágrafos, que se estenderão ao longo de duas páginas. Como eu disse anteriormente, o terceiro documento será um sumário de tudo o que foi ensinado nas primeiras duas.

Ao início


 Comentário por Kṣemarāja: Parágrafos 1, 2 & 3

Dividi todo o comentário do sábio em vários parágrafos. Por sua vez, dividirei cada parágrafo em subparágrafos, por conveniência. Meu próprio comentário, em azul e preto, virá após cada um desses subparágrafos. Além disso, todas as frases a serem adicionadas a uma frase em particular para completar o sentido aparecerão no itálico e entre parênteses.

Kṣemarāja começa seu sublime comentário com as seguintes palavras:


शिष्यस्य भवतीति शेषः।

Śiṣyasya bhavatīti śeṣaḥ|

"Ocorre (bhavati) ao discípulo (śiṣyasya)"; essa é a parte restante (iti śeṣaḥ) (do aforismo)|

Ou seja, você deve adicionar essa frase ao aforismo de modo a indicar o receptor dessa Iluminação. Você também vai ter que adicionar "De um Guru contente" à tradução do aforismo (sūtra) para completar o sentido. O primeiro parágrafo terminou. Kṣemarāja continua dizendo:


श्रीपरात्रिंशकादिनिर्दिष्टनीत्याहंविमर्शप्रथमकलानुत्तराकुलस्वरूपा...

Śrīparātriṁśakādinirdiṣṭanītyāhaṁvimarśaprathamakalānuttarākulasvarūpā...

Segundo o processo (nītyā) indicado (nirdiṣṭa) nas veneráveis (escrituras) (śrī) Parātriṁśaka (parātriṁśaka), etc. (ādi), Anuttarākula (anuttarākula) é a natureza essencial (sva-rūpā) do primeiro (prathama) aspecto (kalā) da Consciência do Eu (ahaṁvimarśa)...

Note que Kṣemarāja está baseando sua primeira declaração em sublimes Escrituras tais como "Parātriṁśaka, etc.". Isso é verdadeira humildade da sua parte. Então, ele quer dizer que o comentário não é sua própria invenção, mas um ensinamento que foi transmitido a ele pelo seu guru (Abhinavagupta).

"Kula" é aquele estado em que Śiva e Śakti ("Eu" e "sou", respectivamente) permanecem em indistinguível união. Então, a primeira tradução de "Akula" seria "um estado diferente de Kula". Por sua vez, isso pode significar duas coisas: (1) um estado em que Śiva e Śakti não permanecem em indistinguível união; ou ainda (2) um estado completamente distinto de Kula. Em suma, "Akula" é a suprema condição da Consciência, ou Śiva. Em "Akula", não há nenhum vestígio sequer de "Śakti". Uma segunda tradução de "Akula" pode ser baseada no seguinte raciocínio: "Akula" = "A-kula". Nesse caso, "kula" poderia ser traduzido como "corpo". Assim, "Akula" significaria: "Aquele cujo corpo é a vogal 'a'". Como você pode ver, o tema é realmente profundo.

O termo "Anuttara" tem dois significados: (1) "mais alto que o qual não há nada", isto é, "o mais alto, supremo, etc.". Obviamente, ambas as traduções significam a mesma coisa. Portanto, a palavra "Anuttarākula" (Anuttara-akula) significaria: "Aquela Suprema Realidade cujo corpo é a vogal 'a'". (2) Um nome técnico para a vogal "a". Então, a tradução de "Anuttarākula" seria a seguinte: "Aquele cujo corpo é a vogal 'a', que é conhecida como Anuttara".

A vogal "a" é Cit ou o Próprio Śiva. É Consciência pura, e a letra mais alta de todo o Alfabeto Sânscrito. De "a", todo o universo se manifesta. Em suma, o primeiro aspecto adotado pelo Supremo Poder é "a" --o estado ou condição de Śiva, o Eterno Sujeito que se torna uma testemunha de tudo quando aparece o universo--. Contudo, na Sua mais pura natureza, "a" é unicamente Consciência.


... प्रसरन्त्यानन्दस्वरूपा सतीच्छेशनभूमिकाभासनपुरःसरं ज्ञानात्मिकामुन्मेषदशां ज्ञेयाभासासूत्रणाधिक्येन चोनतां प्रदर्श्य...

... prasarantyānandasvarūpā satīccheśanabhūmikābhāsanapuraḥsaraṁ jñānātmikāmunmeṣadaśāṁ jñeyābhāsāsutreṇādhikyena conatāṁ pradarśya...

... (Então, o primeiro aspecto da Consciência do Eu, isto é, Śakti puro,) se expande (prasarantī... satī) na forma de (sva-rūpā) Ānanda (vogal "ā") (ānanda), e, por meio de (puraḥsaram) Seu Poder Manifestador (ābhāsana) --que aparece como as etapas (bhūmikā) de Icchā (vogal "i") (icchā) e Īśana (vogal "ī") (īśana)-- desdobra (pradarśya) o estado (daśām) de Unmeṣa (vogal "u") (unmeṣa), cuja essência (ātmikām) é Jñāna (jñāna). E (ca) por meio de Sua Opulência (ādhikyena), a qual é a origem (āsūtreṇa) da cintilante manifestação (ābhāsā) de objetos (jñeya), (essa mesma Śakti pura faz surgir) Ūnatā (vogal "ū") (ūnatām)...

Uma descrição concisa mas completa de como as vogais "ā, i, ī, u e ū" nascem todas de "a" ou Anuttara. Depois de fazer o papel da vogal "a", o primeiro aspecto da Consciência do Eu se expande como a vogal "ā", a qual é a Suprema Felicidade ou Ānanda (daí o seu nome). "A" e "ā" são Śiva e Śakti (Prakāśa e Vimarśa, "Eu" e "Sou"). Nesse nível, o universo ainda não se manifestou. Há somente uma leve "tensão" sobre o Oceano Sem Forma de "a" (Śiva). Essa tensão toma a forma de "ā". Note que "ā" é, na verdade, "a" duplicado. Então, "ā" (Śakti) é uma espécie de expansão do "a" (Śiva). Entendeu? Ótimo!

Mas, em algum ponto, essa "tensão" ("ā") se transforma em "i" (Icchā) e "ī" (Īśana). "Icchā" significa "Vontade" e "Īśana", "Mestria ou Domínio". Ambas as vogais pertencem ao terceiro tattva ou categoria da Criação, ou seja, Sadāśiva (tattva ou categoria 3 segundo o Trika). Ambas as letras são a corporificação de Icchāśakti (Supremo Poder de Vontade), mas cada uma delas nasce de um diferente estado dessa mesma Icchāśakti. O Supremo Poder e Vontade tem uma natureza dupla, na forma de "kṣubdha" e "akṣubdha". "Que diabos é isso?", você deve se perguntar... bem, é simples... a explicação encheria vários volumes, haha! Eu tento sempre rir quando encaro um oceano tão gigantesco como o Sânscrito, o Trika e todo o resto desta grande cultura. Assim, sinto-me otimista... só um pouco.

O Poder de Vontade tem dois aspectos: Kṣubdha (agitado) e Akṣubdha (não-agitado). Quando Icchāśakti (Poder de Vontade) quer manifestar um universo, a princípio não se vê afetada por ele. Essa condição de manifestação universal mais uma não-afetação em relação ao universo que foi criado é conhecida como estado "Akṣubdha" (não-agitado). Por sua vez, a condição Kṣubdha se caracteriza por um estado de afetação em relação a esse mesmo universo. Então, a vogal "i" é Akṣubdhecchāśakti (Poder de Vontade em um estado não-agitado), enquanto "ī" é Kṣubdhecchāśakti (Poder de Vontade em uma condição agitada). Essas duas vogais, que representam o Poder Manifestador dessa Śakti pura, dão origem a mais duas vogais: "u" (Unmeṣa ou Abertura dos olhos) e "ū" (Ūnatā ou Diminuição).

As vogais "u" e "ū" estão cheias de Jñānaśakti ou Supremo Poder de Conhecimento. Assim como Icchāśakti tinha duas condições (agitada e não-agitada), Jñānaśakti tem dois respectivos estados também: Kṣubdha e Akṣubdha. Na condição Kṣubdha, Jñānaśakti é afetada pelo universo em que está operando como o Poder de Conhecimento, enquanto que, na condição Akṣubdha, não o está. Quando Ela não está afetada, há uma total "Abertura de olhos" (Unmeṣa), ou seja, Você (Śiva) está completamente consciente tanto de sua natureza essencial quanto da do universo. Há "desdobramento" de verdadeiro conhecimento acerca tanto de Você quanto do universo. O corpo ou kula desse Akṣubdhajñānaśakti (Poder de Conhecimento em uma condição não-agitada) é "u". Da mesma maneira, "ū" é o kula ou corpo de Kṣubdhajñānaśakti (Poder de Conhecimento em uma condição agitada), no qual há uma deficiência ou diminuição do conhecimento. Esse declínio de conhecimento faz com que Śiva (Você) se sinta afetado pelo nítido universo que se manifesta diante Dele por Seus próprios poderes (Icchāśakti e Jñānaśakti).

(Vá à seção de Trika e leia os documentos ali, de modo a entender tudo de uma maneira correta. Você encontrará muitos exemplos úteis nesses documentos.)

Por exemplo, no seu campo visual, a Icchāśakti e a Jñānaśakti estão funcionando plenamente. Olhe no canto dos seus olhos e lá encontrará Icchāśakti (Poder de Vontade). Ela assume dois estados: Akṣubdha e Kṣubdha (não-agitado e agitado, respectivamente). Se você concentrar sua atenção nos cantos dos seus olhos, entrará gradualmente em um estado de não-afetação em relação a esse universo "indistinto e nebuloso" que está nascendo aí. Contudo, logo antes de entrar, sentirá "afetação". Ainda assim, essa afetação é "sutil" e não a afetação "bruta" e bem conhecida que todo mundo experimenta. Essas são as supracitadas condições Akṣubdha e Kṣubdha do Poder de Vontade. Cada um desses dois estados tem um "kula" ou corpo. A vogal "i" (conhecida como "Icchā" ou "Vontade") é o kula da condição Akṣubdha, enquanto que "ī" (conhecida como "Īśana" ou "Mestria") é o kula da condição Kṣubdha.

E agora, preste atenção no "nítido" universo na sua frente. A nitidez "externa" dos objetos e o correspondente conhecimento "interno" que surgem dentro de você devem-se ao trabalho de Jñānaśakti ou Poder do Conhecimento. Note que você pode sentir-se "afetado" ou "não-afetado" com respeito a esses objetos "nítidos". No entanto, essa afetação é "sutil" e não a afetação "bruta" e bem conhecida que todo mundo experimenta. Esses dois estados são as condições Akṣubdha e Kṣubdha do Poder do Conhecimento. Cada um desses dois estados tem um "kula" ou corpo. A vogal "u" (conhecida como "Unmeṣa" ou "Abertura dos olhos") é o kula da condição Akṣubdha, enquanto "ū" (conhecida como "Ūnatā" ou "Diminuição") é o kula da condição Kṣubdha. Então, você pode facilmente inferir que "u" e "ū" trabalham no nível de Īśvaratattva (tattva ou categoria 4 segundo o Trika).

A questão "onipresente" acerca de "por que deveria Śiva manifestar um universo se Ele é plenamente feliz em Sua própria natureza essencial?" possui três respostas lógicas: (1) Como Você é Śiva Mesmo, seria muito lógico se perguntasse a Si Mesmo sobre isso. Entretanto, se você ainda não consegue compreender isso, as duas respostas seguintes poderão te ajudar: (2) Śiva não tem consciência de nenhum universo emergindo Dele. Se você Lhe perguntasse sobre o assunto, Ele provavelmente diria: "Do que você está falando? Onde está esse universo a que se refere?" E, se você ainda não está convencido com as respostas anteriores, há uma terceira: (3) Para que o Ser Puro ou Śiva seja chamado de "Supremo", deve haver "algo" em relação ao qual desdobrar "Supremacia". Então, a manifestação universal não deve ser vista como "uma contração ou involução" de Śiva, mas sim como uma "reafirmação" de Sua Soberania. Interessante! Como você pode ver, há uma resposta de acordo com o nível de consciência da pessoa que fez a pergunta. Essa é uma característica em comum no Trika. Mesmo apesar de esse sistema filosófico dar mais importância ao ponto de vista "não-dual" na forma de "Eu sou Śiva", também abrange todos os outros pontos de vista.

Bem, espero que o seu intelecto ainda esteja inteiro, haha! Digo-lhe novamente: Vá à seção de Trika e leia todos os documentos ali. Isso provará ser muito útil para você. O sábio Kṣemarāja continua seu comentário desta forma:


... इच्छामेव द्विरूपां विद्युद्विद्योतनकल्पतेजोमात्ररूपेण स्थैर्यात्मना चैषणीयेन रञ्जितत्वाद्रलश्रुत्यारूषितेनात एव स्वप्रकाशात्मीकृतमेयाभासत्वतोऽमृतरूपेण मेयाभासारूषणमात्रतश्च बीजान्तरप्रसवासमर्थतया षण्ढाख्यबीजचतुष्टयात्मना रूपेण प्रपञ्च्य...

... icchāmeva dvirūpāṁ vidyudvidyotanakalpatejomātrarūpeṇa sthairyātmanā caiṣanīyena rañjitatvādralaśrutyārūṣitenāta eva svaprakāśātmīkṛtameyābhāsatvato'mṛtarūpeṇa meyābhāsārūṣaṇamātrataśca bījāntaraprasavāsamarthatayā ṣaṇḍḥākhyabījacatuṣṭayātmanā rūpeṇa prapañcya...

... (Em seguida, essa mesma Śakti) manifesta (prapañcya) a Vontade (icchām eva) --a qual possui duas (dvi) formas (rūpām) (isto é, "i" e "ī")-- combinada com o que é meramente (mātrarūpeṇa) uma "luz" (tejas) similar ao (kalpa) resplendor (vidyotana) de um relâmpago (vidyut) (ou seja, o elemento "fogo", cujo corpo ou kula é "r". Ela) também (ca) (manifesta Icchā ou Vontade) combinada com isso cuja natureza (ātmanā... eṣanīyena) é a firmeza (sthairya) (em outras palavras, o elemento "terra", cujo corpo ou kula é "l". A partir dessas combinações, surgem as vogais "ṛ, ṝ, ḷ e ḹ". Essas vogais não são verdadeiramente letras produzidas, mas sim sons escutados) porque elas estão (meramente) coloridas (rañjitatvāt) ou tingidas (ārūṣitena) pelos sons (śrutyā) "ra" (ra) (e) "la" (la) (ou seja, pelas letras do fogo e da terra, respectivamente; note que o "ra" é simplesmente "r" --letra semente-- mais "a", e "la" é "l" --letra semente-- mais "a". Não somente) por causa do que se estabeleceu na oração anterior (atas eva), mas também posto que (as vogais ṛ, ṝ, ḷ e ḹ) aparecem (ābhāsatvataḥ) como objetos (sutis) assimilados (ātmīkṛta) em sua própria (sva) luz (prakāśa), são conhecidas como (letras) imperecíveis (amṛtarūpeṇa). E (ca), já que estão meramente (mātrataḥ) tingidas (ārūṣaṇa) pela manifestação (ābhāsa) objetiva (meya), não são capazes (asamarthatayā) de dar origem (prasava) a outras (antara) letras sementes (bīja). (Como resultado,) esse grupo de quatro (catuṣṭayātmanā rūpeṇa) letras sementes (bīja) é designado como (ākhya) Eunuco (ṣaṇḍḥa)...

Após aparecer na forma de "a, ā, i, ī, u e ū", a Śakti pura combina as vogais "i" e "ī" com as letras sementes dos elementos fogo e terra: "ra" e "la", respectivamente, que são, na verdade, "r + a" e "l + a". Dessas combinações, emergem as vogais "ṛ, ṝ, ḷ e ḹ". A Vontade como "i" combina-se com "r" e "l", o que produz "ṛ" e "ḷ". Posteriormente, a Vontade como "ī" combina-se com os mesmos "r" e "l" para gerar "ṝ" e "ḹ" . Alguns autores comparam essas duas fases de combinação realizadas pela Vontade ("i" + "r" e "l", e então "ī" + "r" e "l") ao processo por meio do qual o brilho de um raio é primeiramente um mero e pálido vislumbre, mas depois vira uma luz brilhante. Assim, a Vontade é primeiramente combinada como "i" e depois como "ī". Note que "ī" é simplesmente "i" duplicado ou fortalecido, assim como a brilhante luz final de um raio é simplesmente um fortalecimento desse pristino e pálido vislumbre. Excelente analogia, certamente.

Talvez você esteja se perguntando: "O que a frase '...(as vogais ṛ, ṝ, ḷ e ḹ) aparecem como objetos (sutis) assimilados em sua própria luz...' significa?" A resposta é a seguinte: Porquanto essas quatro vogais permanecem em si mesmas, sem produzir nenhuma outra letra, diz-se que são objetos sutis assimilados em sua própria luz. Eles são Amṛta (Imperecíveis) e vivem em Sadāśiva (tattva ou categoria 3) junto com "i e ī". Também são conhecidas como letras Ṣaṇḍḥa (eunucas). Há duas razões para isso:

(1) As letras ṛ, ṝ, ḷ e ḹ não são nem vogais puras nem consoantes puras. Têm uma vogal ("i" ou "ī") e uma consoante ("r" ou "l") dentro de si mesmas. Em suma: ṛ = "r" + "i", ṝ = "r" + "ī", ḷ = "l" + "i" e ḹ = "l" + "ī".

(2) São incapazes de dar origem a qualquer outra letra.

A morada dessas vogais ṛ, ṝ, ḷ e ḹ é o indistinto e nebuloso Sadāśiva (tattva 3). Estão cheias de Vontade "criativa", mas, já que estão meramente "coloridas" pelo universo manifestado (manifestação objetiva), não participam da criação de nenhuma outra letra e, obviamente, não têm nenhuma intervenção na manifestação do universo mesmo, que é produzido "inteiramente" pelo resto das letras.

Kṣemarāja continua a comentar:


... प्रोक्तानुत्तरानन्देच्छासङ्घट्टेन त्रिकोणबीजमनुत्तरानन्दोन्मेषयोजनया च क्रियाशक्त्युपगमरूपमोकारं प्रोक्तैतद्बीजद्वयसङ्घट्टेन षट्कोणं शूलबीजं चेच्छाज्ञानशक्तिव्याप्तपूर्णक्रियाशक्तिप्रधानत्वाच्छक्तित्रयसङ्घट्टनमयं प्रदर्श्य...

... proktānuttarānandecchāsaṅghaṭṭena trikoṇabījamanuttarānandonmeṣayojanayā ca kriyāśaktyupagamarūpamokāraṁ proktaitadbījadvayasaṅghaṭṭena ṣaṭkoṇaṁ śūlabījaṁ cecchājñānaśaktivyāptapūrṇakriyāśaktipradhānatvācchaktitrayasaṅghaṭṭanamayaṁ pradarśya...

... (Depois disso, Śakti) manifesta a letra semente (bījam) Trikoṇa --a vogal "e"-- (tri-koṇa) por meio da combinação (saṅghaṭṭena) de Icchā --"i"-- (icchā) com Anuttara --"a"-- (anuttara) e Ānanda --"ā"-- (ānanda), as quais foram previamente mencionadas (prokta). E (ca) por meio da união (yojanayā) de Unmeṣa --"u"-- (unmeṣa) com Anuttara --"a"-- (anuttara) e Ānanda --"ā"-- (ānanda), (Ela manifesta) a letra (kāram) "o" (o), cuja natureza (rūpam) indica (upagama) (a aparição da) Kriyāśakti (kriyā-śakti). (Posteriormente,) combinando (saṅghaṭṭena) estes (etad) supracitados (prokta) grupos formados por duas (dvaya) letras sementes (bīja), --isto é, os grupos "a-ā" e "e-o"--, (Śakti) manifesta (pradarśya) Ṣaṭkoṇa --a vogal "ai"-- (ṣaṭkoṇam) e (ca) a letra semente (bījam) Śūla --a vogal "au"-- (śūla). Posto que (na letra "au") há predominância (pradhānatvāt) de Kriyāśakti (kriyā-śakti) --em sua plenitude-- (pūrṇa) penetrada (vyāpta) por Icchāśakti e Jñānaśakti (icchā-jñāna-śakti), (a Deusa manifesta essa letra) como estando composta (mayam) pela união ou combinação (saṅghaṭṭana) das três (traya) (acima mencionadas) śakti-s (śakti) (ou seja. Icchā, Jñāna e Kriyā)...

A letra Trikoṇa ou "triangular" é o "e", que é formada da combinação de "i" (Icchā ou Vontade) com "a" (Anuttara ou a letra Suprema) e "ā" (Ānanda ou Felicidade). Na verdade, estas duas últimas vogais ("a" e "ā") são meramente dois aspectos de uma única Realidade. Śiva e Śakti são um. Por sua vez, a letra "o" é formada pela combinação de "u" (Unmeṣa ou Abertura dos olhos) com ambos "a" e "ā". Embora Kṣemarāja declare que, com toda a razão, a vogal "o" marque a aparição da Kriyāśakti, a vogal "e" também é um dos quatro aspectos dessa mesma Kriyāśakti ou Poder de Ação. Os quatro aspectos são, obviamente: "e", "o", "ai" e "au"... mas avancemos lentamente em nosso estudo.

Os dois aspectos restantes da Kriyāśakti (Poder de Ação) são formados a partir de distintas combinações:

(1) A letra Ṣaṭkoṇa ou Hexagonal é "ai". Esta vogal é construída juntando-se "a"/"ā" e "e".

(2) A letra Śūla ou Triśūla (Tridente) é "au". Esta vogal é construída juntando-se "a"/"ā" e "o".

Você deve se perguntar, "Por que essas letras são chamadas de Trikoṇa, Ṣaṭkoṇa e Triśūla, respectivamente?". Se examinar os caracteres sânscritos para "e" e "ai" (Vá a Alfabeto Sânscrito), você não achará nenhuma característica triangular ou hexagonal nelas. E você não encontrará nenhuma semelhança entre o caractere para "au" e um tridente. O motivo disto é que esses nomes foram atribuídos a "e", "ai" e "au" devido a outros motivos. Escute com atenção:

A vogal "e" é denominada letra "Trikoṇa" porque (1) é escrita como "ñ" na escrita Śāradā (uma particular escrita de Caxemira), e porque (2) as três śakti-s de Icchā, Jñāna e Kriyā, participam da sua formação.

A vogal "ai" é denominada letra "Ṣaṭkoṇa" porque o caractere correspondente na escrita Śāradā contém seis ângulos.

Finalmente, a vogal "au" é denominada letra "Triśūla" porque, ainda que as três śakti-s de Icchā, Jñāna e Kriyā, estejam também presentes em "e", "ai" e "o", é em "au" que a supracitada tríade de poderes (Vontade, Conhecimento e Ação) atinge consumação. É por isso que "au" é designada letra "Tridente". Bem, agora, a porção seguinte do texto, para finalizar o primeiro parágrafo do comentário de Kṣemarāja:


... इयत्पर्यन्तविश्वैकवेदनरूपं बिन्दुमुन्मील्य युगपदन्तर्बहिर्विसर्जनमयबिन्दुद्वयात्मानं विसर्गभूमिमुद्दर्शितवत्यत एवान्तर्विमर्शनेनानुत्तर एवैतद्विश्वं विश्रान्तं दर्शयति बहिर्विमर्शेन तु कादिमान्तं पञ्चकपञ्चकम् अ-इ-उ-ऋ-ऌ-शक्तिभ्यः पुरुषान्तं समस्तं प्रपञ्चयति।...

... iyatparyantaviśvaikavedanarūpaṁ bindumunmīlya yugapadantarbahirvisarjanamayabindudvayātmānaṁ visargabhūmimuddarśitavatyata evāntarvimarśenānuttara evaitadviśvaṁ viśrāntaṁ darśayati bahirvimarśena tu kādimāntaṁpañcakapañcakam a-i-u-ṛ-ḷ-śaktibhyaḥ puruṣāntaṁ samastaṁ prapañcayati|...

... (Posteriormente, a Śakti) desdobra (unmīlya) a Bindu (bindum), cuja natureza (saṅghaṭṭena) é um Indiviso (eka) Conhecimento (vedana) do universo (viśva), até as suas mesmíssimas fronteiras (certamente) (iyatparyanta). (Depois, esta Śakti) exibe (uddarśitavatī) a etapa (bhūmim) do Visarga (visarga), o qual consiste (ātmānam) em um par (dvaya) de pontos (bindu) que estão cheios (maya) de simultânea (yugapad) emissão (visarjana) externa (bahis) (e) interna (antar). (Assim,) por causa de tudo isso (que foi mencionado) (atas eva), (a Suprema Deusa) --por meio de (Sua) Consciência (vimarśanena) interna (antar)-- mostra (darśayati) este (etad) universo (viśvam) como repousando (viśrāntam) somente (eva) em Anuttara --isto é, na vogal "a"-- (anuttaraḥ); mas (tu) por meio de (Sua) Consciência (vimarśena) externa (bahis), (Ela) manifesta (prapañcayati) --por meio das śakti-s ou poderes (śaktibhyaḥ) a-i-u-ṛ-ḷ (a-i-u-ṛ-ḷ)-- cinco grupos (pañcakam) de cinco letras (cada) (pañcaka) --começando (ādi) com a letra "ka" (ka) e terminando (antam) com a letra "ma" (ma)-- como um conjunto (samastam) (de cinco grupos formados por cinco tattva-s ou categorias cada) --(começando com o tattva 36 ou elemento terra) e finalizando (antam) em Puruṣa --tattva 12-- (puruṣa)--|...

A palavra "Bindu" (ou "Vindu") significa tanto "conhecedor" (da raiz "vid" -- conhecer--) quanto "ponto". Bindu é o nome filosófico de Anusvāra (ṁ). Denota que, apesar de toda esta manifestação que consiste em inúmeros nomes e formas, o Supremo Conhecedor (Você) permanece como o Mais Alto Conhecedor, ou seja, Ele é uma eterna e desapegada Testemunha a tudo que é manifestado por seu próprio Poder ou Śakti. Como eu disse antes, no alfabeto sânscrito, Bindu é representado por "ṁ" (Anusvāra). Contudo, por causa de que é impossível pronunciá-lo sem uma vogal antes, adiciona-se "a". Assim, no alfabeto, você encontra "aṁ -- अं" (o ponto em cima é Anusvāra ou Bindu). De fato, o termo "Anusvāra" significa "vindo após uma vogal", isto é, precisa de uma vogal para ser pronunciado. Bindu se relaciona diretamente com o tattva 4 (Īśvara), no qual Jñānaśakti (Poder do Conhecimento) é predominante.

Posteriormente, Visarga é manifestado por Śakti. O Visarga é composto por "dois" Bindu-s, um em cima do outro, desta forma: : (ḥ). Visarga é representativo de união na diversidade. O ponto inferior indica que Śakti está manifestando todo um universo que está repleto de diferença. Não obstante, o ponto superior indica que Śiva permanece como uma Testemunha imutável apesar do gigantesco desdobramento levado a cabo por Śakti. Em outras palavras, Você (Śiva) permanece igual, não importa o quão vasta possa ser a expansão do universo ao seu redor. Você nunca é tocado pela gigantesca manifestação. Você sempre permanece puro e perfeito em Seu próprio estado. Há três classes de Visarga: Paravisarga ou letra "ā" (Visarga supremo), Parāparavisarga ou letra "ḥ" (Visarga supremo/não-supremo) e Aparavisarga ou letra "ha" (Visarga não-supremo). Então, "ḥ" seria o Visarga intermediário, que é conhecido apenas como "Visarga". Parāparavisarga ou simplesmente Visarga é associado com o quinto tattva (Sadvidyā), em que Kriyāśakti (Poder de Ação) é predominante. Kṣemarāja aponta que Visarga está cheio de simultânea emissão (para fora e para dentro). Pode-se facilmente compreender que o universo é uma emissão "para fora" de Śiva, mas poderia ser difícil captar como a Testemunha Mesma (Śiva) é uma emissão para dentro. Se você meditar na Testemunha, sentirá uma espécie de "absorção"; será praticamente sugado a medida que vá mais e mais fundo na sua meditação. Medite agora, por um momento, no Ser interior (a Testemunha) e perceba como você é sugado para dentro pela força dessa emissão "para dentro".

Kṣemarāja explica agora como a Suprema Śakti está prestes a mostrar uma dupla realidade: (1) Tudo o que foi manifestado por Ela está ultimamente repousando sobre a Testemunha ou Śiva (a letra "a" ou Anuttara), (2) As letras a, i, u, ṛ e ḷ dão origem a cinco grupos, que consistem de cinco letras cada. Esses cinco grupos são, obviamente: Guturais, Palatais, Cerebrais, Dentais e Labiais. Agora, uma simples tabela, que também inclui os respectivos tattva-s associados aos supracitados grupos. Aqui, somente darei os nomes dos grupos de tattva-s. Por favor, veja o tema "Relação entre o alfabeto sânscrito e os níveis da Criação" em Primeiros Passos (2) para mais informação. Da mesma forma, o documento Tabela Táttvica será de real ajuda no seu atual estudo:

Nome do grupo Vogal da qual deriva Letras das quais é composto Tattva-s associados com ele
Guturais क ख ग घ ङ
ka kha ga gha ṅa
Os cinco Mahābhūta-s ou Elementos Brutos (32 a 36)
Palatais च छ ज झ ञ
ca cha ja jha ña
Os cinco Tanmātra-s ou Elementos Sutis (27 a 31)
Cerebrais ट ठ ड ढ ण
ṭa ṭha ḍa ḍha ṇa
Os cinco Karmendriya-s ou Poderes de Ação (22 a 26)
Dentais त थ द ध न
ta tha da dha na
Os cinco Jñānendriya-s ou Poderes de Percepção (17 a 21)
Labiais प फ ब भ म
pa pha ba bha ma
Antaḥkaraṇa (órgão psíquico interno) formado por intelecto, ego e mente (14 a 16); bem como Puruṣa (alma individual) e Prakṛti (matéria indiferenciada) (12 e 13)

E o segundo parágrafo foi finalmente terminado. Kṣemarāja continua explicando o processo de manifestação no terceiro e muito curto parágrafo:


... एकैकस्याश्च शक्तेः पञ्चशक्तित्वमस्तीत्येकैकतः पञ्चकोदयः।...

... Ekaikasyāśca śakteḥ pañcaśaktitvamastītyekaikataḥ pañcakodayaḥ|...

... E (ca), para cada (ekaikasyāḥ) śakti (śakteḥ) (ou seja, para cada uma dessas cinco letras --a, i, ṛ, ḷ e u--), há (asti) um grupo de cinco (pañca) śakti-s (śaktitvam). Deste modo (iti), a partir de cada uma (destas śakti-s) (ekaikataḥ) (produz-se) um surgimento (udayaḥ) de cinco (letras) (pañcaka)|...

Kṣemarāja declara agora que, para "a, i, ṛ, ḷ e u", há um grupo de cinco śakti-s: Cit, Ānanda, Icchā, Jñāna e Kriyā. Estas śakti-s são também denominadas Cicchakti (Poder da Consciência), Ānandaśakti (Poder de Felicidade), Icchāśakti (Poder de Vontade), Jñānaśakti (Poder de Conhecimento) e Kriyāśakti (Poder de Ação). Portanto, Kṣemaraja está querendo dizer que cada letra (a, i, ṛ, ḷ ou u) contém todas as cinco śakti-s (Cit, Ānanda, Icchā, Jñāna e Kriyā). Por que ele afirma isso? A explicação é a seguinte: As vogais "a" e "i" são "criativas" em si mesmas. "A" é Anuttara ou Śiva, enquanto "i" é a encarnação de Icchāśakti (Poder de Vontade). Mas "ṛ, ḷ e u" não são aparentemente vogais criativas. As primeiras duas são eunucas e a terceira é a encarnação da Jñānaśakti (Poder de Conhecimento). Contudo, Kṣemarāja afirma que até essas vogais têm todos os cinco poderes em si mesmas e, desta forma, explica como um grupo de cinco letras (Guturais, Palatais, etc.) --Ver a Tabela anterior-- surge de cada uma delas. E este é o final do terceiro parágrafo.

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 Comentário por Kṣemarāja: Parágrafos 4 & 5

Kṣemarāja continua a explicar:

... आभ्य एव शक्तिभ्यः शिक्षोक्तसञ्ज्ञानुसारेणान्तःपुम्भूमौ नियत्यादिकञ्चुकत्वेनावस्थानादन्तस्थाख्यान्प्रमातृभूमिधारणेन विश्वधारणाद्धारणाशब्देनाम्नायेषूक्तान् तदुपरिभेदविगलनेनाभेदापत्त्योन्मिषितत्वादूष्माभिधानाञ्चतुरो वर्णानाभासितवती।...

... Ābhya eva śaktibhyaḥ śikṣoktasañjñānusāreṇāntaḥpumbhūmau niyatyādikañcukatvenāvasthānādantasthākhyānpramātṛbhūmidhāraṇena viśvadhāraṇāddhāraṇāśabdenāmnāyeṣūktān taduparibhedavigalanenābhedāpattyonmiṣitatvādūṣmābhidhānāñcaturo varṇānābhāsitavatī|...

... (Depois disso,) a partir das mesmas śakti-s (eva śaktibhyaḥ) --começando de "ā" (ābhyaḥ)-- (o Supremo Poder) manifesta (ābhāsitavatī) as quatro (caturaḥ) letras (varṇān) denominadas (ākhyān) Antastha (antastha) (isto é, as letras "ya, ra, la e va") --em conformidade (anusāreṇa) com a terminologia (sañjñā) que se utiliza (ukta) em Śikṣā (a ciência da fonética) (śikṣā)-- posto que residem (avasthānāt), junto com Niyati (niyati) e os outros (ādi) Kañcuka-s (kañcukatvena), dentro de (antar) Puruṣa (pumbhūmau). (Por outro lado,) nas Escrituras reveladas (āmnāyeṣu) elas são designadas (uktān) por meio do termo (śabdena) Dhāraṇā (dhāraṇā), porque suportam (dhāraṇāt) o universo (viśva), ao sustentar (dhāraṇena) a etapa (bhūmi) de "conhecedor ou experimentador limitado" (pramātṛ). Acima (upari) desse (Māyātattva) (tad), (a Venerável Śakti) manifesta (ābhāsitavatī) as quatro (caturaḥ) letras (varṇān) chamadas (abhidhānān) Ūṣmā (ūṣmā) (ou seja, as letras "śa, ṣa, sa e ha"), posto que são desdobradas (unmiṣitatvāt) durante o desaparecimento (vigalanena) da diferença (bheda) e a (subsequente) aparição (āpattyā) da não-diferença (abheda)|...

O termo "Antastha" significa literalmente "Semivogais", mas, segundo Kṣemarāja, seu significado é ainda mais profundo. Declara que "Antastha" é uma variante de "Antaḥstha" (essas letras que moram --stha-- dentro --antaḥ--). Portanto, as letras Antastha (ya, ra, la, va) residem no interior da mente do homem. "Ya, ra, la e va" são associadas com Māyā e seus Kañcuka-s, isto é, são relacionadas às limitações e ignorância [Ver Primeiros Passos (2)]. "Ya" é ligado com "Niyati" (tattva 11), "Ra" com Kāla (tattva 10), "La" com ambos Rāga e Vidyā (tattva-s 9 e 8) e "Va" com Kalā e Māyā (tattva-s 7 e 6). (Ver Tabela Táttvica para mais informação).

Como eu disse antes, "Antastha" significa literalmente "Semivogais". Essas quatro letras não são nem puramente vogais, nem puramente consoantes, mas têm semelhança com ambos. Como surgem? Segundo Abhinavagupta --o guru de Kṣemarāja-- o processo é o seguinte:

Semivogal Transliteração Origem
ya Vogais "i" e "ī" --cheias de Poder de Vontade-- orientadas ao "a" (Śiva)
ra Vogal "ṛ" --cheia de Poder de Vontade-- orientadas ao "a" (Śiva)
la Vogal "ḷ" --cheia de Poder de Vontade-- orientadas ao "a" (Śiva)
va Vogal "u" --cheia de Poder de Conhecimento-- orientadas ao "a" (Śiva)

O que significa "orientado a Śiva ou 'a'"? Quando você medita na Testemunha interna, está orientado à sua própria natureza essencial ou Śiva. Da mesma forma, estas letras (i, ī, ṛ, ḷ e u) também meditam em sua origem, que é "a". Quando assim o fazem, as Semivogais são produzidas. Pode soar estranha essa declaração sobre as "letras meditando em Śiva", mas você deve levar em conta que as letras não são objetos conhecíveis, mas sim conhecedores em si mesmos. São sempre "pramātā-s" (sujeitos) e não "prameya-s" (objetos). Assim, um Mantra não é considerado como algo objetivo, mas sim o Sujeito Supremo Mesmo, ou seja, Śiva (Você). É por isso que, quando as pessoas repetem um Mantra sem darem-se conta desta verdade, não colhem muitos frutos de sua prática.

Segundo a terminologia tântrica, este grupo de quatro letras (ya, ra, la e va) se chama "Dhāraṇā" porque suporta o universo sustentando a consciência individual. Em outras palavras, essas letras de impedem de cair nos tattva-s (categorias da Criação) inferiores, mas, ao mesmo tempo, também te impedem de subir a tattva-s superiores. Elas simplesmente pegam a sua consciência e a mantêm em um nível médio que se chama de "estado de experimentador limitado". Observe agora o seu próprio estado: "Você não cai na matéria, ou seja, permanece a parte dos objetos à sua frente. Simultaneamente, não está plenamente consciente de sua própria natureza essencial (Śiva)". Está em um ponto médio. O que mantém essa condição intermediária? A resposta é: As Semivogais "ya, ra, la e va", que residem em sua mente.

Kṣemarāja chama de "letras Ūṣmā" o grupo formado pelas letras "śa, ṣa, sa e ha". A palavra "Ūṣmā" significa literalmente "calor". Por que Kṣemarāja está declarando que as três Sibilantes junto com "ha" são "letras quentes"? A resposta é a seguinte:

A Suprema Consciência (na qual tudo se vê como uma única entidade) é geralmente associada com um "fogo ardente". Por essa razão, você encontra declarações tais como a seguinte: "O Fogo da Consciência", "O Fogo do Yoga", "A brilhante Luz do Supremo Ser" e similares. Por quê? Quando você se eleva a estados superiores de percepção, realmente experimenta luz e calor. Há, inclusive, uma determinada experiência em que tudo ao redor está queimando. De novo, às vezes se fala do fogo como um símbolo de purificação espiritual. Então, as letras Ūṣmā (śa, ṣa, sa e ha) são relacionadas a tattva-s mais altos. Aparecem quando se vai o dualismo e nasce o não-dualismo.

Abhinavagupta inclusive define a origem dessas letras quando diz que as quatro letras Ūṣmā vêm de "i, ṛ e ḷ", as quais estão cheias de Icchāśakti (Poder de Vontade).

"ha" é apenas um aspecto bruto de Visarga. Desta forma, também é conhecido como "Aparavisarga" (Visarga não-supremo ou inferior). De fato, é meramente um som a ser escutado (quando se inala) e não uma letra formal. Por sua vez, "śa, ṣa e sa" representam Sadvidyā (tattva 5), Īśvara (tattva 4) e Sadāśiva (tattva 3), respectivamente (Ver Tabela Táttvica para mais informações). E este é o fim do quarto parágrafo.

Kṣemarāja segue explicando:


... अत्र चान्ते सर्वसृष्टिपर्यन्तवर्ति परिपूर्णममृतवर्णं प्रदर्श्य तदन्ते प्राणबीजप्रदर्शनं कृतं तदनुत्तरशक्त्याप्यायितानाहतमयमियद्वाच्यवाचकरूपं षडध्वस्फारमयं विश्वमिति प्रत्यभिज्ञापयितुम्।...

... Atra cānte sarvasṛṣṭiparyantavarti paripūrṇamamṛtavarṇaṁ pradarśya tadante prāṇabījapradarśanaṁ kṛtam tadanuttaraśaktyāpyāyitānāhatamayamiyadvācyavācakarūpaṁ ṣaḍadhvasphāramayaṁ viśvamiti pratyabhijñāpayitum|...

... E (ca) aqui (atra), (isto é, nas letras Ūṣmā, Śakti ou a consciência do Eu) exibe (pradārśya) por último (ante) a completamente perfeita (paripūrṇam) letra (varṇam) Amṛta (amṛta) (a letra "sa"), a qual se situa (varti) ao final (paryanta) de toda (sarva) a Manifestação (sṛṣṭi). Depois (ante) disso (tad), (Ela) mostra (pradarśanaṁ kṛtam) o Prāṇabīja (prāṇabīja), (a letra "ha". Realiza) isso (tad) para fazer se dar conta ou reconhecer (iti pratyabhijñāpayitum) que este universo (viśvam) [cuja fomra (rūpam) abarca (iyat) Vācaka (vācaka) --(palavras)-- (e) Vācya (vācya) --(objetos denotados por essas palavras)-- e consiste (mayam) na expansão (sphāra) dos seis (ṣaṭ) cursos ou caminhos (adhva)] alcança sua plenitude (āpyāyita) em Anāhatamaya (anāhatamayam), (um epíteto da letra "ha"), devido à Anuttaraśakti (ābhāsitavatī) (a letra "a" ou Śiva)|...

A letra "sa" é denominada como "a completamente perfeita letra Amṛta" pois inclui dentro de si todo este universo. A palavra "Amṛta" significa "imperecível". Toda a manifestação ou "Sat" reside em "sa", que é Sadāśiva (tattva 3) (Ver Tabela Táttvica para mais informação). "Sa" aparece no final da manifestação universal de Śakti. Mais além, só existe Śiva-Śakti (o Poder manifestador).

"Ha" é conhecido como "Prāṇabīja". "Ha" não é uma letra formal, mas sim um mero som produzido por inalação. Prāṇa ou energia vital está contido na inalação, daí que "ha" seja considerado a letra semente de Prāṇa. A energia vital (Prāṇa) contida na inalação traz vida (Prāṇana) ao corpo. A partir de "ha", surgem todos os Prāṇa-s, já que esta letra é a Śakti Mesma. Esta Śakti manifesta "ha" para fazer se dar conta do fato de que o universo inteiro alcança a plenitude em Anāhatamaya ou "ha" devido ao trabalho de Anuttaraśakti (a letra "a" ou Śiva). "Anāhatamaya" significa "isto que consiste (maya) em um som não produzido por golpe (anāhata)". Se você ouvir atentamente o som de sua própria inalação, se dará conta de que nada o está produzindo. Segue por si mesmo de uma maneira natural e espontânea. Então, o som "ha" não é produzido por ninguém. É a contínua vibração de Śakti em você. "Ha" também é o aspecto bruto do Visarga (você lembra?). É "Aparavisarga" ou Visarga não-supremo.

Kṣemarāja declara que este universo é composto por seis cursos ou caminhos (Ṣaḍadhvā). Esses seis cursos são os seguintes:

Vācaka ou Palavras (lado subjetivo) Vācya ou Objetos denotados por essas Palavras (lado objetivo)
Varṇa (letras) Kalā (5 energias primordiais)
Mantra (sílabas) Tattva (36 categorias)
Pada (palavras ou combinações de sílabas) Bhuvana (224 mundos --alguns autores estabelecem um número diferente--)

O tema é realmente abstruso e complicado, e não vou explicá-lo completamente para você agora mesmo, pois não é o tempo certo para fazê-lo. Você necessitará de mais conhecimento e consciência de modo a entendê-lo completamente (Ver Ṣaḍadhvā para mais informação). Você só precisa saber que Vācya ou lado objetivo (o universo) é manifestado por Vācaka ou lado subjetivo (Você, Śiva). O Sujeito --Você-- (Vācaka) dá nascimento aos objetos (Vācya) e não vice-versa. Adicionalmente, o Sujeito nunca é afetado por Vācya. Olhe ao seu redor... você pode ver todos esses objetos?... bom! Pondere sobre esse ensinamento nesse momento.

Portanto, em Anāhatamaya ou "ha" a manifestação é finalmente terminada... e, da mesma forma, este quinto parágrafo também está terminado!

Ao início


 Notas finais

Essa foi a primeira parte do nosso estudo sobre a relação entre o alfabeto Sânscrito e os níveis da Criação. Śakti ou a Consciência do Eu concluiu a manifestação e já está pronta para voltar à Sua fonte (Śiva). Os parágrafos seguintes a serem explicados na Parte 2 [Primeiros Passos (5)] lidarão com tópicos importantes tais como (1) a letra "kṣa", (2) a formação do "Aham", (3) Mātṛkā e por aí vai. Não importa quão longo ou aparentemente complicado possa ser este estudo, nunca perca de vista esta simples verdade: "Você é Śiva". Permanece puro e perfeito, apesar da massiva Criação universal levada a cabo por Sua própria Śakti. Nessa Peça Cósmica, Śakti confunde Śiva com todos esses estranhos termos e relações. Ainda assim, Śiva nunca parte do Seu Divino Estado como o Supremo Conhecedor de Tudo. E Você é Ele. Nunca se esqueça disso, mesmo quando Śakti (Gabriel Pradīpaka, hehe!) continuar inundando a sua vida com inúmeras palavras sânscritas e ensinamentos estranhos. Nos vemos em breve!

Ao início


 Mais informação

Gabriel Pradīpaka

Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.

Para maior informação sobre Sânscrito, Yoga e Filosofia Indiana; ou se você quiser fazer um comentário, perguntar algo ou corrigir algum erro, sinta-se à vontade para enviar um e-mail: Este é nosso endereço de e-mail.