Sanskrit & Trika Shaivism (English-Home)

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 Protoshaivismo (português)

Um estudo introdutório

Publicado: 03 de março, 2003

Autor: Andrés Muni
Apêndice


Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.



O sistema social indiano permitiu aos diferentes grupos étnicos coexistir e sobreviver em seu território sem serem destruídos ou misturarem-se, mantendo a maior parte da sua cultura e instituições, situação que, em outros lugares, teria ocasionado a sua destruição ou extinção pelos grupos dominantes. Assim, ritos e crenças do mundo mediterrâneo e do Oriente Médio permaneceram quase intactos desde os tempos antigos.

Os grupos étnicos eram identificados, além das suas características físicas, pelas suas características linguísticas, representadas aqui pelas línguas munda e pelas línguas dravídicas e árias. Esses três grupos estão relacionados com as três grandes eras do desenvolvimento das civilizações: Paleolítica, Neolítica e Moderna. Os ādivasi-s (primeiros habitantes) da Índia falavam as línguas munda ou mom-khmer. Eles apresentam semelhança física com o homem de Neandertal. A esse grupo de protoaustraloides, pertencem os vedas do Ceilão e os gondos da Índia Central. Acredita-se que esses eram os mais antigos habitantes da Europa, bem como da África e da Índia. Essa raça de homens pequenos e de pele escura povoou a Europa no início do Neolítico, mas foi gradualmente aniquilada pelos homens de Cro-Magnon, que eram mais robustos.

Durante o Neolítico, apareceu na Índia um povo de pele bronzeada e cabelos lisos, que falava uma língua aglutinativa. Sua origem é incerta... são os chamados dravídicos, palavra derivada do prakṛta (língua vernácula) conhecido como "damil" (hoje chamado de Tâmil), sendo a sua religião o Shaivismo. A língua e cultura dravídica, que, até hoje, constituem as dos povos do sul da Índia, estenderam a sua influência, antes das invasões árias, da Índia até o Mediterrâneo. Vestígios linguísticos dessa civilização ainda podem ser encontrados no georgiano, basco, sumério, pelasgo, ilírio, cretense, etrusco e nos dialetos do Beluchistão. As línguas dravídicas têm uma origem em comum com as línguas fino-úgricas (fino-báltico, húngaro, volgaico, uraliano e samoiedo) e com as altaicas (mongol, esquimó e turco).

Assim, através do Oriente Médio e do mundo mediterrâneo, uma importante civilização de origem asiática foi o meio que propagou o pensamento śaiva, seus símbolos e mitos, como indicam os monumentos megalíticos, os mitos e cultos religiosos comuns à Índia e ao mundo mediterrâneo (por exemplo, as cidades de Creta, de Malta e da Suméria). As cidades da Índia, especialmente Harappa e Mohenjo Daro, existiam desde 3800 a.C. e duraram até a sua destruição, em aproximadamente 1800 a.C., por parte dos invasores árias. A sua religião dominante era o Shaivismo (os selos representam o Śiva itifálico e com chifres, sentado na pose de lótus ou dançando na forma de Naṭarāja). Há símbolos śaiva-s, tais como falos de pedra, suásticas, imagens do touro, da serpente e da deusa das montanhas (Pārvatī).

A migração de povos nômades árias que abandonaram as regiões da Rússia (por razões possivelmente climáticas) culminou invadindo, em ondas sucessivas, a Europa, a Índia e o Oriente Médio. Entre 2300 e 1900 a.C., cidades da Ásia Menor forem saqueadas e incendiadas. Os textos védicos relatam as guerras contra os dasa e os pani, que eram os sobreviventes das civilizações do Indo e rejeitavam o culto védico. Falavam uma língua estranha e veneravam Śiśnadeva (o deus do falo), pastoreavam grandes rebanhos e viviam em cidades fortificadas (pura-s); eram de pele escura e nariz pequeno. Segundo a genealogia dos Purāṇa-s (18 antigos relatos), a conquista ária da Índia foi concluída com a guerra do Mahābhārata (1400 a.C.), no Madhyadeśa (o território médio, que compreende Nova Délhi).

As quatro religiões da Índia antiga estão relacionadas a quatro diferentes concepções dos deuses e do mundo. A primeira concepção é a animista. Nela, o homem venera forças sutis que estão além dos sentidos, e as chama de espíritos ou deuses. Deste modo, o homem toma consciência dos aspectos divinos que residem nos bosques, rios, fontes e montanhas: para o homem animista, "tudo é sagrado". O respeito pelo espírito que habita todas as coisas possibilita um conhecimento intuitivo que é inacessível para o pensamento lógico. O animismo é contrário à apropriação de terras, à agricultura e à vida social urbana: a caça é a base da sobrevivência, e os deuses e espíritos exigem oferendas.

É nesse âmbito que se desenvolve o culto a Murugan ou Kumāra (o menino), que se relaciona ao Kouros cretense. É uma deidade adolescente, deus da Beleza e da Guerra, sedento do sangue dos animais sacrificados em sua honra. Esse culto se originou entre os ādivasi-s (primeiros habitantes), cujas tribos falavam a língua munda, e seus símbolos são o galo, o carneiro e a estaca.

Durante o período Neolítico e a princípios da Idade do Bronze, consolida-se entre os invasores dravídicos o culto a Paśupati (Senhor dos seres limitados, que são como animais em comparação à Divindade) e Pārvatī (a dama das montanhas). Em Creta, aparecem os nomes de Zagreu e Cibele, e estarão presentes em todas as civilizações cultural e linguisticamente ligadas ao mundo dravídico. Essa religião se caracteriza pelo culto ao falo, à cobra, ao touro, bem como ao leão e ao tigre (nos quais a deusa monta).

Em fins de 6000 a.C., consolida-se o Shaivismo histórico, com a fusão dos cultos animista e dravídico. O Shaivismo histórico permanecerá vigente até a chegada dos invasores árias. Murugan se converte em filho de Śiva e é chamado de Kumāra (menino) ou Skanda (derrame ou efusão -refere-se a esperma-); ele nasce num canavial e é alimentado por ninfas. Em outras regiões, é conhecido como Dionyssos ("Dionísio" ou "Dioniso", em português). Paśupati corresponde ao deus cretense Zagreu, chamado, em seguida, de Cretágenes. Sua lenda, como as de Śiva e Skanda, foi se confundindo gradualmente com a de Dionyssos.

Outra religião é o Jainismo, que acredita na transmigração (metampsicose) e no desenvolvimento do homem ao longo de múltiplas existências com formas animal e humana. O Jainismo postula a impossibilidade de um vínculo entre o humano e o sobrenatural: não há certeza da existência ou não de um princípio criador, uma causa primeira ou um deus. O Jainismo tem um forte sentido moral, exige o respeito pela vida, um rígido vegetarianismo e a nudez de seus adeptos, sendo o Budismo primitivo uma das suas adaptações. Os Jainas (seguidores do Jainismo) desenvolveram uma forte atividade missionária e exerceram grande influência sobre algumas escolas filosóficas gregas e o Orfismo. Posteriormente, o Hinduísmo assimilou do Jainismo o vegetarianismo e a teoria da transmigração, princípios que não existiam originalmente nas suas origens, e também não existiam no Shaivismo e na cultura védica.

Com as invasões árias (de "ārya": rico, nobre por riqueza; daí derivaram os significados "poderoso, nobre, nobre por natureza, por excelência"), impõe-se na Índia e no mundo mediterrâneo a religião das tribos nômades da Ásia Central. Os deuses de tal religião são a personificação de fenômenos naturais ou virtudes humanas. Assim, Indra é o deus do raio, Varuṇa é o das águas, Agni é o do fogo, Dyaús é o do ar, Aryamā é o da honra, Bhaga é o da distribuição de bens, Rudra é o destruidor (que, mais tarde, foi identificado com Śiva).

Essa religião busca duas coisas para o homem: o respaldo dos deuses para que se obtenha proteção, e o controle da Natureza. A partir de 2000 a.C., a religião védica ária assimila gradualmente o Shaivismo. Um produto disso é o Hinduísmo subsequente e as religiões grega e micênica. O Shaivismo resiste a essa fusão e reaparece ciclicamente sob sua forma primitiva na Índia, como o Dionyssismo helênico e, em seguida, como seitas místicas ou esotéricas. O Orfismo é produto da influência do Jainismo sobre o Shaivismo/Dionyssismo.

Essas quatro grandes correntes de pensamento religioso (animismo, culto dravídico, Jainismo e culto ária) foram a base de quase todas as formas existentes de religião, incluindo as semíticas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo). A civilização semítica egípcia absorveu numerosos elementos śaiva-s (especialmente o culto a Osíris), mas, mais tarde, o monoteísmo afastaria as religiões semíticas do seu antigo pensamento religioso e cosmológico.

Durante o sexto milênio a.C. (a princípios do Neolítico), consolida-se o Shaivismo, fruto das concepções animistas e da experiência religiosa do homem pré-histórico. A partir de então, aparecem, na Índia e no mundo mediterrâneo, símbolos e ritos śaiva-s: o culto ao falo, ao carneiro, ao touro, à serpente, à dama das montanhas, ao labirinto; bem como a suástica (cruz gamada ou em ganchos) e a dança extática. Os testemunhos desses cultos voltam tanto para trás na história humana e compreendem tantas regiões, que é incerto definir um lugar de origem. Só na Índia, a tradição śaiva e seus ritos têm sido mantidos de forma contínua desde a pré-história até a atualidade.

A unidade de origem do Shaivismo e sua enorme e extensa influência manifestam-se nas múltiplas semelhanças entre os relatos mitológicos. O conjunto de símbolos vinculados ao culto a Śiva: o deus com chifres, o touro, a serpente, o falo ereto, o carneiro, a dama das montanhas, etc., encontra-se na civilização agrícola que surge ao redor de 6000 a.C. e compreende o sul da Ásia, a África e a Europa. As primeiras figuras ou formas fortemente śaiva-s localizam-se na Anatólia (6000 a.C.). No começo da civilização egípcia, surgem os cultos do touro, do carneiro e de Osíris (existe uma enorme figura do deus egípcio Min -itifálico- que data de 5000 a.C.).

Por volta de 4500 a.C., os povos minoicos chegam a Creta, Chipre, Santorini, Malta e Anatólia. Imagens do deus touro ou deus com chifres são encontradas em Mohenjo Daro, nas civilizações pré-célticas, nas civilizações minoicas e em regiões situadas no sul da Ásia (Camboja e Bali). A partir de 4000 a.C., desenvolve-se a civilização do Indo; os sumérios chegam por mar à Mesopotâmia, provenientes do Indo, influenciando, assim, a região do Oriente Médio, Creta e Grécia continental. A partir de 3000 a.C. até as invasões árias, desenvolveram-se de forma paralela as civilizações do Indo, Suméria e Cnossos, com incidência em toda a Europa, na zona central da Índia e no sudeste asiático.

Por volta de 3000 a.C., registra-se o dilúvio histórico que dividiu as dinastias sumérias pré-dilúvio e pós-dilúvio. A cronologia indiana situa essa época no começo do Kaliyuga (era dos conflitos). Nesse momento, um povo mediterrâneo procedente da península ibérica aparece em Malta e em Armórica (atual Bretanha). Esse povo introduz uma nova religião e rituais funerários. Por sua vez, estabelece a civilização dos megálitos: estátuas/menires de Ligúria, Alto Ádige (Itália), Stonehenge (Grã-Bretanha); e foi fortemente influenciado pelo contato com Ibéria, Creta e Oriente Médio.

O mundo mediterrâneo

A civilização minoica remonta a meados de 5000 a.C., alcançando o seu apogeu no milênio que transcorre de 2800 a.C. até 1800 a.C. Essa civilização é contemporânea com a civilização suméria pós-dilúvio e com as civilizações do Indo (Mohenjo Daro). Os mitos e ritos śaiva-s com elementos dionisíacos irrompem no Ocidente por meio da civilização minoica e seus herdeiros gregos.

A civilização cretense alcançou grande desenvolvimento graças à enorme influência das civilizações da Ásia, e manteve um contato fluente com Egito, Grécia e o Oriente Médio durante toda a sua existência. Da mesma forma que nas civilizações da Mesopotâmia, na civilização cretense existem numerosos símbolos que são típicos do Shaivismo: a serpente, o jovem deus, a deusa das montanhas, o touro, o leão, o bode, a árvore sagrada, a coluna fálica, o sacrifício do touro, o Minotauro, a dança extática de Coribantes e Curetes (similares aos companheiros -gaṇa- de Śiva), bem como a suástica, o labirinto e o machado de dois gumes, que se relacionam à Índia e ao culto agrícola. Os mitos relativos ao deus adolescente e à deusa das montanhas relacionam-se aos mitos de Śiva e Pārvatī (indianos), Ishtar e Tammuz (babilônicos), Ísis e Osíris (egípcios), Vênus e Adônis (gregos).

Os invasores que incendiaram as principais cidades da civilização minoica (por volta de 1400 a.C.) são identificados como os aqueus homéricos que destruíram Ugarit e Troia no século XIII a.C. Os aqueus que chegaram a Creta deram o nome do seu deus dos céus (Zeus) a uma divindade minoica (Zagreu). Durante o segundo período minoico, por influência aqueia, Zeus/Zagreu recebe o nome de Dionyssos (deus de Nyssa, perto de Peshawar, ao norte do atual Paquistão). A expansão da religião cretense foi notável, influenciando a religião e o pensamento gregos. O reaparecimento do Shaivismo/Dionyssismo é o retorno a uma religião arcaica que permaneceu subjacente apesar das invasões e perseguições.

O antigo deus de Anatólia, Suméria, Creta e Grécia continental pré-helênica parecia estranho aos invasores aqueus e dóricos. O Dionyssismo era o antigo Shaivismo do mundo indo-mediterrâneo, que recuperava gradualmente o seu espaço em um mundo agora dominado pelo povo ária. Um processo de absorção de características similares havia se produzido na Índia: o Shaivismo havia se misturado com o Brahmanismo védico, produzindo mudanças significativas. A religião védica absorveu e incorporou ritos de outros cultos adaptando-os às suas necessidades. Absorveu um número tão grande de coisas das instituições dravídicas e de outros povos da Índia, que é impossível separar essas características dos elementos árias originais.

No mundo helênico, a unidade entre os cultos śaiva e dionisíaco era reconhecida e admitida. Os gregos explicavam a semelhança entre os cultos a Śiva e Dionyssos a partir de uma expedição deste último à Índia. Dionyssos havia viajado à Índia para propagar o seu culto, junto com um exército de Mênades e Sátiros, e acabara conquistando-a. Os antigos hebreus também haviam sido fortemente influenciados pelo mundo dravídico e pelo Shaivismo (desde Abraão -proveniente de Ur, na Suméria- até Davi, os hebreus participaram de rituais de êxtase).

No Egito, o mito de Osíris se relaciona com os mitos śaiva-s. Osíris é o deus das árvores e das plantas, e representa a geração e o crescimento. Os gregos identificavam-no com Dionyssos (esse paralelismo de cultos surge durante a civilização cretense). Osíris havia chegado da Índia montado em um touro e havia incorporado os Sátiros ao seu exército. Em seguida, retornou à Índia para fundar numerosas cidades. As relações entre Egito e Índia eram extremamente antigas (existia uma fluente e importante atividade comercial através do Oceano Índico e do Mar Vermelho).

Na Inglaterra, Bretanha, Grécia, Itália, Córsega, Arábia e Índia, há falos de pedra adornados com um rosto ou rodeados por uma serpente. Em todo o mundo Mediterrâneo, encontram-se rastros do culto ao touro e seu sacrifício, do culto à serpente, das danças extáticas, lendas relacionadas ao menino nascido em um canavial e alimentado pelas ninfas, o deus da vida que morre e ressuscita, unindo, deste modo, os mistérios da geração e da morte.

Esta foi, então, uma mera e breve introdução à história do Shaivismo, um tema muito longo e complexo, indubitavelmente.

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