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Śivasūtravimarśinī: Seção III (aforismos 34 a 45 - pura)

Tradução pura


Introdução

A Śivasūtravimarśinī continua: Kṣemarāja continua a comentar os aforismos.

Este é o quarto e último grupo de 12 aforismos dos 45 aforismos que formam a terceira Seção (que versa sobre Āṇavopāya). Como você sabe, a obra inteira é composta dos 77 aforismos dos Śivasūtra-s mais os respectivos comentários.

É claro que também inserirei os aforismos de Śiva sobre os quais Kṣemarāja estiver comentando. Apesar de que não comentarei sobre os sūtra-s originais ou sobre o comentário de Kṣemarāja, escreverei algumas notas para esclarecer certos pontos sempre que for necessário. Se você quiser uma explicação detalhada dos significados ocultos dessa escritura, vá a "Escrituras (estudo)/Śivasūtravimarśinī" na seção Trika.

Leia a Śivasūtravimarśinī e experimente Supremo Deleite, querido Śiva.

Este é um documento de "tradução pura", ou seja, você não encontrará nenhum Sânscrito original, mas haverá, às vezes, uma quantidade mínima de Sânscrito transliterado nas próprias traduções do texto. É claro, não haverá nenhuma tradução palavra por palavra. De qualquer forma, haverá Sânscrito transliterado nas notas explicativas. Se você for uma pessoa cega utilizando um leitor de tela e não quiser ler as notas, ou simplesmente quiser pular as notas, clique no respectivo link "Pular as notas" para continuar lendo o texto.

Importante: Tudo o que está entre parênteses e em itálico dentro da tradução foi agregado por mim para completar o sentido de uma determinada frase ou oração. Por sua vez, tudo o que está dentro de um duplo hífen (-- ... --) constitui informação esclarecedora adicional também agregada por mim.


Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.


Ao início


 Aforismo 34

E, visto que, para o Yogī que transcendeu o estado onde (se considera) o corpo sutil --intelecto, ego, mente e elementos sutis-- (como sendo) o (verdadeiro) Experimentador, a percepção de prazer e dor não é interna --não toca o seu "Eu" real, como indica o comentário sobre o aforismo anterior--1 , portanto, ele—


(O nobre Yogī) está totalmente livre disso --prazer e dor--, então (está) sozinho; (em suma, alcançou seu próprio Ser, que é tanto um "único" Conhecedor como uma "única" Massa de Consciência pura)||34||


Estando completa e especialmente livre de ambos —de prazer e dor— (e) não sendo tocado internamente nem mesmo por meras impressões residuais2 , (ele está) sozinho, (ou seja, é) alguém cuja natureza consiste unicamente em ser um experimentador ou conhecedor que é Consciência pura --em outras palavras, ele é somente Consciência pura, o único e verdadeiro Conhecedor de tudo--|

Isso (também) foi dito no venerável Kālikākrama:

"O Yogī deve obter o fruto do Yoga partindo em dois a grande ilusão (chamada) dualidade, que é fabricada por numerosos pensamentos (baseados em) cognições (tais como) prazer, dor, etc."||

O termo "tu" --então-- (que aparece neste aforismo) mostra claramente a diferença com relação ao que está prestes a ser mencionado (no próximo aforismo); além disso, (a palavra "tu") que aparece no seguinte aforismo (mostra claramente a diferença) com relação ao (que é mencionado) neste aforismo3 ||34||

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1  Existe outra possível tradução para "saṁsparśa": contato. Então, a frase "a percepção de prazer e dor não é interna" torna-se "o contato com prazer e dor não é interno". De qualquer maneira, o ensinamento final é o mesmo: prazer e dor não tocam a sua natureza essencial de forma alguma.Return 

2  Ele não está identificado com seu corpo sutil (intelecto, ego, mente e elementos sutis), nem muito menos com o corpo físico. Além disso, por não ser tocado internamente nem sequer por algumas impressões residuais de ações, ele também não é afetado pelo corpo causal. Ele mora em seu corpo espiritual, chamado supracausal, e inclusive além dele. É por isso que ele é alguém cuja natureza é Consciência pura. Na verdade, "todos" são Consciência pura, mas, devido à identificação com os corpos causal, sutil e físico, a maioria das pessoas não se dá conta da sua natureza essencial e, como consequência disso, vive em escravidão.Return 

3  Por um lado, o termo "tu" é utilizado no sentido de "então" neste aforismo para completar a descrição do estado iluminado de um grande Yogī. Por outro lado, a mesma palavra é utilizada no sentido de "no entanto" no aforismo seguinte, antes de descrever o estado de um ser limitado. De qualquer maneira, o ser limitado também é capaz de tornar-se uma alma emancipada. Isso será mostrado em aforismos futuros. De fato, se o ser limitado "já não fosse" o Ser Supremo, he não poderia dar-se conta Dele. Não se pode alcançar o que já não está aqui. Isso é muito difícil de entender para a maioria das pessoas, eu sei disso, mas é completamente verdadeiro. Sei disso por experiência direta, e não meramente por inferência ou testemunho.

Quando você percebe o próprio Ser pelo menos uma vez, dá-se conta de que sempre o percebeu. Outra verdade difícil de compreender para a maioria dos leitores, hehe, mas é completamente certo. Se você não entender isso agora, não se preocupe, pois o entederá cedo ou tarde se perseverar na sua leitura, prática, etc. Continue cortando o galho a partir da posição "correta" e, em algum momento, cairá de repente. Quando você corta a partir dessa posição, nada parece estar acontecendo até que ouça um estalo, haha. Estou falando sério, apesar do riso. Essa escritura inteira também tem ensinado a mesma verdade. Se você continuar lendo-a de novo e de novo, o galho vai ser cortado e você perceberá que é o Ser Supremo. É sempre a mesma história, apenas mudando "aparentemente" os corpos/personalidades. Em suma, é sempre a mesma história de "Você" tornando-se "você" e então "Você" novamente, pois nunca há mais ninguém aqui. É por isso que o aforismo estabelece que o grande Yogī é kevalī ou está sozinho.Return 

Ao início


 Aforismo 35

(Śiva, o autor dos Śivasūtra-s,) disse que --isto é, o seguinte--—


No entanto, aquele que é uma massa compacta de engano (está meramente) envolvido em ações||35||


Com engano (ou) ignorância. (O termo) pratisaṁhata (significa) que ele --um ser limitado-- é uma compacta massa (repleta) disso --de engano ou ignorância--. Por essa mesma razão, é um recipiente de prazer e dor. Por outro lado, ao estar envolto em ações, ele está sempre manchado com boas e más ações|

Isso foi declarado nessa mesma (escritura) --no Kālikākrama--:

"(No caso de uma pessoa ignorante,) ao estar coberta ou velada pela ignorância sobre Isso --o Ser-- (e) por meio do uso ou aplicação de pensamentos, não se torna instantaneamnte consciente de que todos (os tattva-s ou categorias) que começam com Śiva (são sua própria natureza essencial, que é uma compacta massa de Consciência)1 . Então, bons e maus estados aparecem; e, como (tal pessoa) está sob o controle dessa (ignorância sobre o seu próprio Ser), sobrevém (a ele) grande dor devido aos (supracitados) maus estados2 "||

||35||

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1  Evidentemente, os requisitos da métrica forçaram o autor a omitir algumas palavras. Deveria ter sido escrito algo assim: "Śivāditattvāṁścidghanasvabhāvatayā naiva jhaṭiti samudbhāvayate'khilān||" - "não se torna instantaneamente consciente de que todos os tattva-s ou categorias que começam com Śiva são (sua própria) natureza essencial, que é uma compacta massa de Consciência".

A conjugação "samudbhāvayate" (lit. considera, pensa, etc.) deve ser interpretada aqui como "parāmṛśati" (apodera-se mentalmente de, torna-se consciente de, etc.). A palavra "jhaṭiti" significa "instantaneamente". O sentido resultante de toda a declaração é que uma pessoa ignorante cai vítima do Māyīyamala (impureza Máyica) e, portanto, experimenta dualidade. Em outras palavras, ela percebe todos esses tattva-s como diferentes dela mesma. Leia Trika 4 para conseguir mais informação sobre esse mala ou impureza.Return 

2  Esses maus estados têm como raiz o Kārmamala (impureza Kármica). Essa impureza é simplesmente confusão sobre o verdadeiro Fazedor das ações. Como essa pessoa ignora que somente o Senhor é o verdadeiro Fazedor de tudo, pensa que ela é a fazedora. Dessa forma, envolve-se em boas e más ações, e sobrevém a ele uma horrível dor devido aos inevitáveis frutos das suas más ações. Em Trika 4, você também encontrará mais imformação sobre Kārmamala.Return

Ao início


 Aforismo 36

Dessa forma, inclusive para tal (pessoa ignorante) que está envolta em ações, quando se produz uma união com a natural Liberdade Absoluta (do Ser Supremo) que emerge devido a uma concessão de Graça --lit. descida de Poder-- sem impedimentos proveniente de Maheśa --lit. "Grande Senhor", um epíteto de Śiva--, então, no seu caso—


Quando a diferença desaparece, a capacidade para realizar outra Criação (aparece no Yogī iluminado)||36||


(Por um lado, no composto "Bhedatiraskāre", a palavra "bheda" significa) "da diferença ou dualidade" (que consiste em diferentes campos de experiência) adequados para os experimentadores (tais como) Sakala, Pralayākala, etc., cujas naturezas (têm a ver com) a (errônea) concepção ou noção de que (o seu) "Eu" ou "Ser verdadeiro" é o corpo, a energia vital, etc.1 . (Por outro lado, no mesmo composto "Bhedatiraskāre", o termo "tiraskāre" significa) "no desaparecimento" --ou, de forma menos literal e mais legível: "ao desaparecer"--, (isto é,) quando há descarte ou eliminação da (diferença ou dualidade) existente devido ao surgimento da própria natureza essencial, que é uma compacta massa de Consciência. (Em suma, todo o composto "Bhedatiraskāre" significa, literalmente, "No desaparecimento da diferença ou dualidade", ou, de forma mais legível, "Ao desaparecer a diferença ou dualidade", ou seja,) na gradual obtenção do seu exaltado estado que aparece na forma (dos experimentadores superiores denominados) Mantra, Mantreśvara (e) Mantramaheśvara. (Quando tudo isso acontece,) a capacidade para realizar outra Criação, (ou seja,) o estado de ser o criador (para criar) coisas segundo o seu desejo, aparece (no Yogī iluminado)|

Assim, no venerável Svacchandatantra, mencionando (tacitamente, na seguinte linha,) o desaparecimento da diferença ou dualidade no seu caso devido à semelhança com Svacchanda --o Independente Senhor que é absolutamente Livre--:

"Com o triplo japya2 , ele se torna similar a Svacchanda --o Senhor Livre--"||
(Ver primeira linha de VI, 54 no Svacchandatantra)

(imediatamente depois disso,) foi dito:

"Entre os deuses --seres divinos-- Brahmā, Viṣṇu (e) Indra, (e também) entre (os seres semidivinos conhecidos como) siddha-s --não os seres aperfeiçoados, mas sim um tipo de entidade superior aos meros fantasmas--, daitya-s --demônios-- (e) urageśī-s --reis das serpentes--, torna-se um dador e um dissipador de medo, amaldiçoando (e) concedendo Graça, (respectivamente). Ele destrói o orgulho de Kāla --tanto a morte como Yama, o regente dos mortos-- (e) causa a queda inclusive de montanhas"||
(Ver porção final de VI, 54 junto com a estrofe VI, 55 no Svacchandatantra)

||36||

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1  Esse tópico já foi explicado sucintamente por mim na nota 4 de III, 19. Mas tenho que repetir minha explicação aqui, pois direi algumas outras coisas sobre esse tema. Existem sete experimentadores, ou, melhor, sete etapas para um único Experimentador:

(1) Śiva (sua esfera de ação são os tattva-s Śiva e Śakti, as primeiras duas categorias) - Ele é o Experimentador Supremo e a própria natureza essential. Nenhum universo está presente aqui.
(2) Mantramaheśvara (sua esfera de ação é o Sadāśiva-tattva, a terceira categoria) - Embora o universo tenha começado a manifestar-se, ainda é uma experiência indistinta. Então, esse experimentador ainda está plenamente absorvido em seu próprio Ser ou Aham ("Eu").
(3) Mantreśvara (sua esfera de ação é o Īśvara-tattva, a quarta categoria) - O universo aparece como uma realidade nítida, e, como resultado, esse experimentador se absorve totalmente nessa maravilha, mas ainda mantém a sua consciência de Ser intacta.
(4) Mantra (sua esfera de ação é o tattva Sadvidyā ou Śuddhavidyā, a quinta categoria) - Existe um equilíbrio entre Aham ("Eu") e Idam ("Isto", o universo). Esse experimentador está igualmente consciente de ambos os aspectos ao mesmo tempo.

Os quatro experimentadores anteriores são divinos ou superiores. Estão completamente desprovidos de mala ou impureza. De fato, o primeiro experimentador não é realmente nem mesmo um tipo de experimentador, mas sim o Próprio Senhor! Ele não possui nenhum universo para experimentar, pois permanece inteiramente estabelecido em Si Mesmo como Aham ou "Eu", ou seja, Ele não tem nenhum "Idam" ("Isto") ou universo como Seu campo de experiência.

Agora, os seguintes experimentadores restantes estão afundados em miséria, isto é, em bheda ou dualidade:

(5) Vijñānākala (sua esfera de ação jaz entre os tattva-s Sadvidyā e Māyā, entre a quinta e sexta categorias). Ele se dá conta de que Śiva é seu verdadeiro "Eu", mas carece de poder (daí o nome "akala") devido ao Āṇavamala;
(6) Pralayākala (sua esfera de ação é Māyā e seus cinco Kañcuka-s, a partir da sexta até a décima primeira categoria). Esse experimentador também está desprovido de poder (akala) e plenamente identificado com a energia vital. Consequentemente, o universo aparece de maneira dissolvida para ele. Em outras palavras, ele o experimenta como um vazio. Ele mantém as impurezas, ou seja, Āṇavamala, Māyīyamala e Kārmamala, mas as últimas não são operativas, porque o universo atravessou um "pralaya" ou "dissolução".
(7) Sakala (sua esfera de ação abrange desde Puruṣa --a décima segunda categoria-- até a última). Por um lado, esse experimentador não está desprovido de poder (daí que seja um "sakala" ou "com poder"), mas está limitado em todos os aspectos, especialmente em relação à sua concepção de "Eu". Está convencido de que o corpo físico (composto dos cinco elementos brutos) e o corpo sutil (composto de intelecto, ego, mente e elementos sutis) são o seu verdadeiro "Eu". Essa noção errônea o força a usar os seus já limitados poderes de vontade, conhecimento e ação de muitas formas inúteis. Em vez de usá-los para alcançar o ato de dar-se conta do Ser, ele corre como um louco atrás de prazeres e foge a todo custo da dor, constantemente em busca da Alegria Suprema mas ignorando tanto o seu estado de buscador da Alegria Suprema quanto o verdadeiro local onde tal Alegria reside (isto é, em seu próprio Ser verdadeiro).

 

Muito bem, "bheda" ou "diferença/dualidade" é "adequado para" (a palavra "bheda" é de gênero masculino) todo experimentador, no seguinte sentido: "Pramātṝṇāṁ yathāsvasvabhāvaṁ bhinnaprameyātmakabhedābhāsaḥ" - "A manifestação de bheda ou dualidade, composta de diferentes prameya-s, (ocorre) em conformidade com a natureza essencial dos experimentadores". Prameya é tudo aquilo que um experimentador percebe. Cada um dos experimentadores tem um prameya ou campo de experiência apropriado ou adequado para sua própria natureza. Por exemplo, um Sakala tem um universo formado a partir de distintas realidades, desde o próprio deus Brahmā até o último verme, enquanto um Pralayākala temcomo campo de experiência ou prameya o mero vazio. Perfeito, se você quiser saber mais sobre esses assuntos: Leia todas as páginas, desde Trika 1 até Trika 6. Adicionalmente, você também pode ler o Ṣaṭtriṁśattattvasandoha.Return 

2  O termo "japya" significa literalmente "mantra ou oração murmurada", enquanto a conhecida palavra "japa" significa literalmente "murmuração de um mantra ou oração". Então, o primeiro indica o que é murmurado, enquanto o segundo indica o ato de murmurar. De qualquer maneira, nesse contexto, por triplo japya, não se indica nenhum desses significados literais. Há três tipos de japya: (1) Śāmbhava, onde se fixa a atenção no ponto de união de Śiva e Śakti (o Senhor e o Seu Poder); (2) Śākta, onde se fixa a atenção no ponto de união de pramāṇa and prameya (meios de conhecimento mais o próprio conhecimento, e objeto cognoscível) (3) Āṇava, onde se fixa a atenção no ponto de união de prāṇa e apāna (energias vitais que saem e entram com expiração e inspiração, respectivamente).

Obviamente, a maioria dos aspirantes começa com o japya mais simples, ou seja, a conhecida concentração no ponto de união de inspiração e expiração (ou vice versa). Depois disso, avança até o próximo nível ao tornarem-se conscientes do ponto de união de mente/sentidos/cognição e objeto cognoscível. Cada vez que você percebe algo com a mente/sentidos, produz-se uma cognição ou conhecimento como resultado (por exemplo, você vê uma árvore e pensa, "Oh, isso é uma árvore"). As pessoas comuns (os meros Sakala-s) estão conscientes do próprio objeto ou ou de suas mentes/sentidos/cognições, mas os yogī-s são diferentes, por serem conscientes do ponto de união dessas duas entidades (pramāṇa e prameya). Finalmente, um aspirante muito avançado chegará à mais elevada forma de japya, Śāmbhavajapya, ao tornar-se consciente do ponto de união do Senhor e Seu Poder. Em suma, fixará a sua atenção na união entre o "Eu" ou "Ser" e Sua "consciência de Eu". Bem, se você conseguir chegar a esse nível de espiritualidade, meus parabéns a você, sublime Yogī ou Yoginī, pois fazer isso é tão difícil que não consigo evitar rir toda vez que penso nisso, haha! Somente a Graça do Senhor, concedida abundantemente a uma pessoa, é capaz de torná-la apta para Śāmbhavajapya.Return 

Ao início


 Aforismo 37

Essa (capacidade criativa) não é impossível para ele, porque—


(Qualquer um pode dar-se conta de seu) poder criativo a partir de sua própria experiência||37||


O próprio poder criativo (ou) capacidade para criar diversas coisas extraordinárias fica provado ou estabelecido "svato'nubhavāt", (ou seja,) a partir de sua própria experiência --anubhava-- durante imaginação, sonhos, etc.|

Com essa intenção, declarou-se na venerável Īśvarapratyabhijñā:

"Por essa mesma razão, a partir dos poderes de concepção e execução de acordo com o próprio desejo, (os poderes de) conhecer e fazer de todos os seres vivos (ficam) claramente provados ou estabelecidos1 "||
(Ver I, VI, 11 na Īśvarapratyabhijñā)

Sendo tal a possibilidade, se esse (Yogī), com firme e forte determinação, deseja manifestar mediante (seu) Vimarśa (ou consciência do Eu), então, também aparece o estado de ser criador de coisas segundo os desejos, o qual é comum a todos2 |

Isso foi estabelecido no Tattvagarbha:

"Quando eles --os grandes Yogī-s-- brilham --lit. luminosos-- com seu atributo de eficácia claramente manifesto, (toda) falta de estabilidade e força é logo (e) muito firmemente quebrada em pedaços --figurativamente falando-- e, então sua volição --poder de vontade-- se torna um Kalpapādapa ou Kalpataru --uma árvore que concede todos os desejos--3 "||

||37||

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1  Segundo Abhinavagupta, tal como ele escreve em seu comentário sobre a Īśvarapratyabhijñā. conhecida como Īśvarapratyabhijñāvimarśinī, "Avabhāsana" (poder de concepção) indica "Jñānaśakti" (Poder de Conhecimento) e "Samullekha" (poder de execução) indica "Kriyāśakti" (Poder de Ação). O primeiro concebe, enquanto o segundo executa, isto é, leva a cabo aquilo que foi concebido pelo primeiro. Então, o Poder de Ação materializa tudo o que foi previamente concebido pelo Poder de Conhecimento. Simples!

Traduzirei para você o comentário inteiro sobre essa estrofe, não somente para provar o que falei, mas também para que você possa compreender a estrofe em profundidade. Farei o melhor que puder, pois Abhinavagupta é um mestre tão erudito e denso que é frequentemente difícil para mim compreender corretamente os seus escritos. E, visto que a maneira de escrever desse mestre é refinada e complexa, também explicarei cada porção do texto entre hífen duplo (--...--). Vamos lá:

"Yadidaṁ yathābhīṣṭasya bahirasattvādananubhūtasyāpi samyagullekhanamavabhāsanaṁ ca vikalpasya prasaṅgāddarśitamasmādeva hetoridamapi siddhyati— Yaḥ kaścitkīṭo vā brahmā vā jīvanakriyāviṣṭastasyāvabhāsanarūpā jñānaśaktirullekhanarūpā ca kriyāśaktirnaisargikī tatastasyāṁ bhūmau vyatirikteśvaropakalpitapūrvasiddhasṛṣṭyupajīvanasambhāvanāpi nāstīti svamevaiśvaryaṁ sphuṭaṁ pratyabhijñeyaṁ jānāti karoti ca— Iti jñānakriyāsvātantryalakṣaṇamekavacanena sarvasya jīvajātasya vastuta ekeśvararūpatāṁ sūcayati| Iti śivam||11||" -

"(O termo 'samullekha' na estrofe significa) aquilo que (é) pleno 'ullekha' (ou) execução ou ato de dar forma. (Conota o ato de dar forma), conforme a vontade, a algo que ainda não foi experimentado, já que não existia externamente. E (o termo 'avabhāsana' ou) o poder de concepção é mostrado na contingência de vikalpa ou pensamento --ou seja, é óbvio a partir de meramente contemplar como os próprios pensamentos concebem coisas novas--. Este --o poder de concepção-- é provado devido à (presença) daquele --o poder de execução; ou seja, visto que, se algo foi executado ou realmente criado, essa é uma prova válida de que foi primeiramente concebido-- — Tudo o que estiver dotado de atividade e vida, seja um verme ou (o próprio) Brahmā --o criador do universo material--, o poder de conhecimento e o natural poder de ação desses (seres vivos) têm como natureza os poderes de concepção e execução, (respectivamente). Portanto, sobre essa base --sobre a base da imaginação que tem lugar no reino da fantasia de tais seres vivos, etc.--, não há nem sequer suposição de que a subsistência da criação, que foi previamente admitida como verdadeira, tenha sido produzida por um senhor diferente --em suma, a partir da experiência de qualquer ser vivo, tudo o que é concebido e criado em sua mente não requer a presença de outro senhor além dele(a) mesmo(a) para que subsista ali--. Dessa forma, (tal ser vivo) claramente conhece e leva a cabo seu próprio senhorio, o qual deve ser reconhecido --isto é, ele(a) conhece e realiza coisas como um senhor, mas ainda tem que reconhecer/dar-se conta do seu próprio senhorio-- — Dessa maneira, (esse senhorio) caracterizado por conhecimento, ação e liberdade, em número singular --há somente um senhorio, e não dois ou mais--, no caso de todos os que possuem vida --os seres vivos--, realmente indica sua condição de seres formados a partir de um Senhor --em poucas palavras, o senhorio exibido pelas criaturas vivas, ao ser somente um em cada uma delas, realmente indica que têm como natureza essencial 'um único' Senhor--.

Que haja bem-estar para todos os seres!".

Espero que eu tenha entendido tudo corretamente. Abhinavagupta é um mestre e pensador tão grande que é necessária a presença de um discípulo do calibre do próprio Kṣemarāja (seu principal discípulo) para decifrar seus ensinamentos em Sânscrito. Seja misericordioso, Senhor, e lembre-se de que estou sozinho estou sozinho com meu pequeno barco no meio desse oceano de escritos originais, comentários e explicações de eruditos com a sabedoria de videntes védicos, a maioria dos quais está em Sânscrito puto (nem sequer uma transliteração). Infelizmente, não tenho ninguém, fisicamente falando, sussurrando as traduções nos meus ouvidos, por assim dizer. Seria uma maravilha ter alguém assim, como você sabe. Bem, enquanto isso, devo continuar remando.Return 

2  Aparentemente, o estado de ser o criador que é comum a todos indica que é universal. Isso é correto a partir do ponto de vista de que "todos os seres" têm o mesmo estado que o Yogī de ser criadores, porque o único Senhor reside em todos igualmente. De qualquer forma, segundo os sábios, nesse contexto em particular, a interpretação da frase é assim: "Vimarśātiśayavaśātsarvajanaistannirmitirdraṣṭuṁ śakyate" - "Devido à preeminência de Vimarśa ou consciência do Eu --ou seja, Śakti--, sua criação pode ser vista por todas as pessoas". Agora está totalmente claro!Return 

3  Refere-se a uma das cinco árvores do paraíso de Indra. Diz-se que esse Kalpapādapa ou Kalpataru realiza todos os desejos. Da mesma maneira, quanto a eficácia (o poder criativo) dos Yogī-s está em seu apogeu, seu poder de vontade pode realizar todos os desejos. Sucintamente: Eles podem manifestar qualquer coisa segundo a sua vontade. Isso é assim porque são como o Próprio Senhor a todo momento. Sendo esse o caso, o que mais eu poderia dizer sobre eles?Return 

Ao início


 Aforismo 38

E, visto que, expressando a palavra "karaṇaśakti" --poder criativo--, (mostra-se inegavelmente que Seu) Poder de Liberdade Absoluta, cuja natureza é Turya --o Quarto Estado--, (é) a essência do experimentador, que não é nada mais que Bodha ou Consciência, portanto, para estimular a natureza essencial desse (Turya) que foi repelido por māyāśakti1 


(Deve haver) vivificação dos três estados --manifestação, manutenção e reabsorção-- por meio do principal, (em outras palavras, "por meio do quarto estado de consciência, que é uma Testemunha dos outros três e está cheio de Bem-Aventurança transcendental")||38||


Dos três pada-s ou estados mencionados mediante as palavras manifestação, manutenção (e) reabsorção —caracterizados por orientação a objetos, intenso apego a eles (e) assimilação interna desses (mesmos objetos, respectivamente)—, aquilo que (é) ādi (ou) o principal (é) um estado chamado Turya --o Quarto--, uma compacta massa de Bem-aventurança, pois penetra ou preenche os (outros) três --manifestação, manutenção e reabsorpção-- com Deleite Supremo. (Turya,) embora esteja coberto ou velado por māyāśakti, aparece (por um momento) como um relâmpago ao ocasionar-se o desfrute de vários objetos, etc.. Por causa disso, nas diversas ocasiões (em que Turya aparece), ainda que tivesse surgido somente por um instante, deveria-se realizar anuprāṇana --vivificação--, (isto é, "anugatatayā prāṇana" ou) vivificação, seguindo, em diferentes graus de permanência, a consciência dessa (massa compacta de Bem-aventurança) que reside internamente. (Resumindo, deveria-se realizar) estimulação de (tal) vitalidade vivificando(-se) a si mesmo com essa vitalidade|

Isso foi descrito no venerável Vijñānabhairava, começando com --agora a escritura descreverá Parā (um termo de gênero feminino que significa literalmente "o Mais Alto", isto é, o Mais Alto Estado ou a Mais Alta Deusa), também denominada Turyātīta (o Estado além do Quarto)--:

"(Parā, o Mais Alto Estado ou Deusa, é) Bem-aventurança que se pode experimentar --lit. a partir da própria experiência-- internamente --na consciência do Eu--, (Seu) campo de ação está livre de pensamentos --deve-se liberar-se de todos os pensamentos para experimentar tal Estado ou Deusa--, (é) esse estado do próprio Ser que é Bhairava --Śiva ou o Senhor--, (é) Bhairavī --Śakti ou divino Poder de Bhairava--, cuja forma é plena --ou seja, está repleta de Deleite Supremo derivado da experiência de unidade com o universo--.

(E, posteriormente, esse tema) é tratado extensamente (no Vijñānabhairava) por (uma série de estrofes) que mostram um meio (de aproximação a esse Mais Alto Estado ou Deusa):

(E, posteriormente, esse tema) é tratado extensamente (no Vijñānabhairava) por (uma série de estrofes) que mostram um meio (de aproximação a esse Mais Alto Estado ou Deusa):

"Esse deleite que (ocorre) no final da absorção no Poder da Bem-aventurança, qie --isto é, a absorção-- se produz pelo coito com uma mulher --em poucas palavras, 'esse deleite que ocorre durante o orgasmo'-- diz-se ser o deleite do Supremo Brahma --o Absoluto--, (ou seja, é um deleite) relacionado ao próprio Ser2 .

Oh deusa!, inclusive na ausência de uma mulher, há uma inundação ou dilúvio de bem-aventurança ao lembrar, de maneira total, o prazer experimentado com uma mulher na forma de beijar efusivamente, abraçar e pressionar3 .

Quando se obtém uma grande alegria ou quando se vê um parente, amigo, etc. depois de muito tempo, após meditar na alegria que surgiu, identifica-se com ela (e) dissolve-se nela4 .

A partir da expansão da alegria relacionada ao sabor que surge dos atos de comer (e) beber, deve-se contemplar --no sentido de fixar a própria atenção-- no estado de plenitude (de tal alegria); (e,) então, aparece uma grande bem-aventurança5 .

No caso de um Yogī que está em unidade com o incomparável deleite (gerado) a partir do desfrute de objetos (tais como) uma canção, etc., devido à exaltação da (sua) mente, (ocorre) uma identificação com ele --com o incomparável deleite--, (e, por causa disso, emerge) a identificação com Isso --com o Supremo Brahma, o Absoluto--6 — etc."||

Essa (mesma verdade) foi mostrada (nas Spandakārikā-s), começando com:

"Spanda is firmly established in that state or condition into which (a person) enters (when he is) excessively angry, exceedingly pleased or delighted, reflecting "what do I do?", or running (for his life)"||
(Ver Spandakārikā-s I, 22)

e terminando com:

"... (No entanto, um Yogī que) não esteja coberto (pela escuridão da ignorância) permanece desperto e iluminado (nessa mesma condição)"||
(Ver Spandakārikā-s I, 25 - porção final)

Esse (tema) foi investigado por mim no Spandanirṇaya sem que haja a necessidade de adicionar uma palavra (a mais) para completar (essa investigação) --no sentido de que o tema foi "completamente" examinado ali, no Spandanirṇaya, seu comentário erudito sobre as Spandakārikā-s--|

Por meio do aforismo "O quarto estado de consciência, (o qual é uma Testemunha), [deve ser vertido como (um fluxo contínuo de) azeite] nos (outros) três, (isto é, na vigília, sono e sono profundo). (III, 20) (da presente escritura)" --o resto do aforismo citado foi adicionado entre colchetes--, mencionou-se vivificação mediante Turya --o Quarto-- com relação a vigília, etc. --i.e. vigília, sono e sono profundo--|

Nesse aforismo --o que está sendo estudado agora--, (vivificação mediante Turya é) com referência aos pontos inicial, intermediário e final presentes em todos os estados --em vigília, sono e sono profundo--, (mas) definidos e examinados de maneira indireta como manifestação, manutenção (e) reabsorção. Essa é a diferença||38||

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1  A palavra "māyāśakti" não é sinônimo de "māyātattva" (a conhecida 6a categoria no processo de manifestação universal), porque, enquanto o primeiro é um "poder", o segundo é uma "manifestação". Assim, māyāśakti é um poder mediante o qual o Senhor é capaz de produzir diferença ou dualidade. Usa a própria māyāśakti para ocultar Sua natureza essencial de Si Mesmo. Todo um paradoxo! Obviamente, tudo se refere a você, leitor! Isso está acontecendo agora mesmo (e não em uma galáxia distante!)... Observe como a Sua própria māyāśakti oculta o seu verdadeiro "Eu" e o substitui pelo que se conhece como ego ou falso "Eu". Você não é o corpo sutil composto de intelecto, ego, mente e elementos sutis, nem mesmo o causal feito de energia vital. Você é Ele! Quando percebe isso, "está no Estado Correto" segundo o Trika, onde quer que o seu corpo físico esteja localizado, onde quer que a sua mente possa ter ido e qualquer que seja a sua situação na vida.

Mas, inclusive depois de obter toda a Aletria existente ou possível (Turya), pode-se ir além, em direção a Turyātīta (o estado além de Turya ou o Quarto Estado). Nesse estado, você experimenta nada mais que Consciência pura e é completamente invulnerável. Porém, não é invulnerável no sentido de um super-humano que para balas com as mãos... não... isso não é sobre o mesmo miserável estado de Sakala mas "melhorado", mas sim sobre um novo tipo de existência. Você é invulnerável porque não depende de nada mais para "ser". Você é sempre assim, mas, em Turyātīta, tem uma percepção real de que isso é absolutamente verdadeiro. Enquanto mantém essa percepção ou "dar-se conta", experimenta "sem a menor dúvida" de que você é o Mais Elevado Ser, não importa se o seu corpo físico está vivo ou morto, ou se a sua mente está trabalhando ou parada, ou se você vive na Via Láctea ou na galáxia mais distante do universo, e por aí vai. Não é uma mera indiferença ou pretensão (pois estas estão ainda no reino da mente), mas sim um verdadeiro e absoluto desapego de tudo (individualidade, mente, corpo, vida, morte, tempo, medo... tudo!). Você permanece como Consciência pura em Liberdade Absoluta!

A princípio, essa experiência dura só um momento e apenas ocorre mediante a Sua Graça, mas, à medida que estabiliza-se em Turya, as probabilidades de entrar em contato com Turyātīta aumentam na mesma proporção. Essa experiência é absolutamente esmagadora e além de qualquer descrição. É interessante o ponto onde se alcança Turyātīta pela primeira vez. Dura un instante, mas não se pode dizer "quando tempo durou", pois tempo e espaço não estão presentes em Turyātīta, apesar de que se pode continuar percebendo o corpo, objetos externos, etc. De fato, pode-se continuar com as atividades normais enquanto se está em Turyātīta. No entanto, embora se perceba espaço, tempo, movimento, etc., nada disso está ali como antes (ou seja, antes de obter essa percepção). Não consigo explicar isso adequadamente por meio do uso de palavras, obviamente. Eu poderia escrever um livro inteiro e ainda assim a minha explicação seria inexata, já que as palavras vêm a existir após Turyātīta, e não antes. Então, a princípio, surge de repente e vai embora em pouco tempo, isso é tudo o que você detecta. Após tal realização, você se pergunta o que diabos esteve fazendo antes disso. Em comparação com esse estado sublime, tudo o que você experimentou antes é como "pó". Bem, isso foi só o jogo da Consciência, como você sabe. De qualquer maneira, durante Turyātīta, tudo aparece impregnado pela equanimidade absoluta, isto é, não há opiniões contra ou a favor de nada. Apesar de que as ações continuem sendo realizadas, e os pensamentos continuem emergindo, cheios de opiniões e coisas assim, você permanece totalmente desapegado disso. É unicamente o "Ser" além de todo "desejar", "conhecer" e "fazer". Incrível! E, é claro, you você quer mais. É o seu Tesouro, e, uma vez que o tenha descoberto, não pode simplesmente ir embora e esquecer disso. NÃO, você quer, a todo custo, recuperar Turyātīta, pois fazer isso é a coisa mais importante da sua vida ("nada mais é relevante que conseguir isso denovo", essa é a maneira como você se sente, e sim!, o que poderia ser mais importante que a sua Liberdade?)... mas... você percebe que não pode obtê-lo "à vontade". Está sempre relacionado com a Sua Graça, apesar de que, paradoxalmene, Você é Ele.

Nesse ponto, você deve ser paciente e continuar aproveitando Turya e sua compacta massa de Bem-aventurança mais e mais até que preencha toda a sua vida. Gradualmente, Turyātīta fará mais e mais visitas até que você se liberte completamente, isto é, até que seja plenamente Livre como o Senhor. Meu próprio Guru me disse esta verdade: "Deus mora dentro de você como você", e é isso que você descobrirá mais cedo ou mais tarde se perseverar. Fique seguro de que um encontro com Deus é a experiência mais incrível que um ser humano pode ter! Quem quer que possa ser o leitor, o Senhor brilha em toda a Sua Glória sempre e em todos os lugares. O autor dirá algo assim, mas de maneira velada, ou seja, não com as minhas explicações detalhadas. Muito bem, já chega de revelar esses segredos sobre Turyātīta por enquanto.

Returnando ao processo de manifestar, manter e reabsorver objetos, não há nada complicado sobre isso tudo, já que está relacionado com a sua própria experiência. E, inclusive no caso em que todos os seus sentidos estão apagados (durante o sono), os objetos mentais continuam manifestando-se, durando por um tempo e finalmente sendo reabsorvidos. Inclusive o vazio do sono profundo é manifestado, mantido e reabsorvido. No entanto, Turya está sempre presente, penetrando todos os outros três estados. Não é manifestado, mantido e reabsorvido, pois não é um objeto (algo que possa ser percebido, por exemplo, o seu corpo, uma mesa, um pensamento, etc.) mas sim o Mais Alto Sujeito ou Senhor (Você!).

De fato, quer você perceba ou não que é a Testemunha ou Conhecedor (o Senhor), você ainda é Ele. Não há ninguém mais que o Senhor aqui. Tudo o que parece existir como diferente e separado Dele se deve somente ao jogo de Sua māyāśakti.Return 

2  Essa estrofe do Vijñānabhairava é bem capciosa e, se você for um studante de Sânscrito tentando traduzi-la, provavelmente cometerá alguns equívocos sem ajuda extra. Para impedir esses equívocos e também para mostrar às outras pessoas lendo essa nota por que traduzi a estrofe dessa maneira, terei que citar algumas explicações a partir do comentário escrito por Śivopādhyāya... sim, terei que continuar traduzindo, hehe. Vamos começar: "Śaktisaṅgamaḥ strīsaṅgastena saṅkṣubdhaḥ sampravṛttaḥ śaktyāveśa ānandaśaktisamāveśastadāvasānikaṁ tatpāryantikam|" - "'Śaktisaṅgama' (significa) 'coito ou relação sexual com uma mulher'; 'saṅkṣubdha' (é) 'sendo produzida por esse (coito)'; 'śaktyāveśa' (refere-se a) 'absorção no Poder de Bem-aventurança --Śakti--'; (e) 'tadāvasānika' (indica) 'no final dessa (absorção)'". Depois disso, o sábio explica o seguinte: "... brahmatattvasya sukhaṁ parabrahmānandas..." - "... deleite do Brahmatattva, (isto é,) Alegria do Supremo Brahma --o Absoluto--", e, finalmente "... tatsukhaṁ svakameva svākyam... ātmana eva sambandhi..." - "... o deleite (é) 'svākya' ou 'próprio', (em suma,) relacionado unicamente com o próprio Ser...", (isto é,) uma pessoa é "sempre" a única fonte desse deleite.

No entanto, o sábio cita uma estrofe, caso alguém possa ter compreendido as estrofes erroneamente:

"Jāyayā sampariṣvakto na bāhyaṁ veda nāntaram|
Nidarśanaṁ śrutiḥ prāha mūrkhastaṁ manyate vidhim||" -

"Quando se está abraçando intimamente uma mulher, não se conhece/percebe nem fora, nem dentro --há total unidade--. A escritura védica disse (isso como) exemplo ou ilustração. (Somente) um tolo considera isso como um mandamento (para mero prazer carnal)".

Então, não seja um tolo e considere essa analogia como um exemplo de como a Bem-aventurança do Senhor se infiltra através da rede produzida pela Sua própria māyāśakti durante a relação com uma mulher. A mera relação física com uma mulher não te vivifica, mas torna o seu corpo/mente cansado e sem energia. Para experimentar vivificação durante a relação física com uma mulher, é necessário ser um poderoso Yogī dotado de abundante conhecimento exato sobre o que uma mulher realmente é com relação a um homem. Mas, como a maioria dos homens não possui esse tipo de conhecimento e poder de forma alguma, não se recomenda que busquem a Bem-aventurança de Turya durante a mera cópula com uma mulher. Obviamente, o mesmo é válido para as mulheres. Qualquer pessoa que seja um mero Sakala ou alguém plenamente identificado com seu corpo físico/ego/intelecto não pode obter a Alegria "plena" de Brahma tendo uma relação sexual, mas sim "somente" uma gota Dela que se infiltra.

Serão dadas mais analogias por meio de mais estrofes extraídas do Vijñānabhairava. Muito bem, tudo deve estar completamente claro agora.Return 

3  Adivinhe? Outra estrofe capciosa no Vijñānabhairava. Não recomendo nem um pouco essa escritura para novatos em Sânscrito. É unicamente para tradutores avançados que sejam capazes de ler o respectivo comentário escrito parcialmente por Kṣemarāja e parcialmente por Śivopādhyāya. Existe outro comentário chamado Vijñānakaumudī por Ānandabhaṭṭa. Se você conseguir ambos, cuidado com os números das estrofes, pois nem sempre coincidem entre si (por exemplo, agora, estou prestes a explicar a estrofe 70, de acordo com o primeiro comentário, mas, no Vijñānakaumudī, é a estrofe 69!). Bem, utilizarei o comentário escrito em parte por Kṣemarāja e em parte por Śivopādhyāya para dissipar qualquer dúvida ou mal-entendido com relação ao significado de certos termos:

"Lehanaṁ vaktrāsavāsvādanaṁ paricumbanamiti yāvat| Āmanthanaṁ pradhānāṅgaviloḍanamāliṅganaṁ vā| Ākoṭaḥ punaḥpunarmardanaṁ nakhakṣatādirvā|" - "(O termo) 'lehana' (significa literalmente) 'que saboreia o néctar ou suco dos lábios de uma mulher com (a própria) boca', (isto é,) 'que beija efusivamente' --o prefixo 'pari' intensifica a raiz 'cumb', 'beijar', daí a adição desse 'efusivamente' à expresão--; esse é o significado. (Por outro lado,) 'āmanthana' (é) 'que agita com os membros principais do corpo' ou 'que abraça'. (E) 'ākoṭa' (indica) 'que pressiona de novo e de novo' ou 'arranhão (dado) com as unhas, etc.'".

Oh, isso foi formidável!, hehe. Agora, você entende plenamente o que significam esses termos. Um bom dicionário de Sânscrito não é suficiente para decifrar a estrofe, como você pode ver. Isso é muito comum no caso da vasta maioria de escrituras em Sânscrito que versam sobre filosofia em profundidade, mas algumas delas são especialmente difíceis de traduzir corretamente sem muita ajuda extra, por exemplo, Vijñānabhairava, Svacchandatantra e Mālinīvijayatantra. Sem a ajuda dos respectivos comentários compostos por eminentes eruditos e mestres, não se pode sem sequer começar a traduzi-los adequadamente. E, com muita frequência, leva-se mais tempo para entender o comentário do que a própria escritura (não é brincadeira). Resumindo, o seu conhecimento de Sânscrito, assim como o seu conhecimento filosófico, devem ser muito fortes ou você naufragará se empreender a tradução de escrituras monumentais como as que citei como exemplo.Return 

4  Muito bem, preciso fazer duas declarações: (1) De acordo com Ānandabhaṭṭa em seu Vijñānakaumudī: "... bāndhave vā suhṛdādau cirakālānantaraṁ... dṛṣṭe..." - "... ou, quando se vê um 'bāndhava', (isto é,) um 'suhṛd', etc., depois de muito tempo...". A palavra "suhṛd" (lit. de bom coração) implica uma pessoa que alguém ama. É muito frequentemente traduzido como "amigo", mas também significa "aliado". E, segundo o comentário de Kṣemarāja e Śivopādhyāya: "... bāndhave putramitrādau..." - "... um 'bāndhava', (isto é,) filho, amigo, etc...". Agora, você entende por que traduzi o termo "bāndhava" como "parente, amigo, etc.".

(2) No comentário escrito por esses dois grandes sábios (Kṣemarāja e Śivopādhyāya), e também na Vijñānakaumudī, existe uma diferente leitura para a linha final da estrofe: "Ānandamudgataṁ dhyātvā tallayastanmanā bhavet" - "Após meditar na alegria que surgiu, dissolve-se nela (e) a sua mente se absorve nela --lit. 'torna-se alguém cuja mente está absorvida nisso'--".

Isso é tudo!Return 

5  A porção "Bhāvayedbharitāvasthāṁ..." na estrofe é difícil de entender, mas, felizmente, o sábio Ānandabhaṭṭa lança muita luz sobre isso em sua Vijñānakaumudī: "... tadanubhavenānandapūrṇatvāvasthāyāṁ bhāvayata ekāgracittasya paramānandaprāptir..." - "Por meio da experiência dessa alegria (relacionada ao sabor), gera-se a obtenção de uma suprema alegria no caso de alguém que contempla —que tem sua mente concentrada— no estado de plenitude de (tal) alegria".

Agora, o meu modo de traduzir essa porção deve estar totalmente claro.Return 

6  Como a última parte dessa estrofe é bem espinhosa, tive que recorrer ao comentário composto por Kṣemarāja e Śivopādhyāya para compreender plenamente o sentido: "... tasya manorūḍherhetoryattanmayatvaṁ śāktasparśāveśastena hetunā tadātmatā— parabrahmamayatvāpattiḥ|..." - "Devido à exaltação da mente desse Yogī, (brota) identificação com isso --com tal deleite incomparável--, o qual é absorção no toque ou contato de Śakti --o divino Poder na forma de consciência do Eu--. Por causa dessa (identificação ou absorção, produz-se) identificação com Isso, (ou seja,) identificação com o Supremo Brahma --o Absoluto--".

Muito bem, pronto!Return 

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 Aforismo 39

E esse (Yogī), tendo obtido vivificação dos três estados --manifestação, manutenção e reabsorção-- por meio do principal --por meio de Turya--, somente na condição de um firme agarramento interno, não deveria contentar-se (apenas com isso), mas também—


Assim como (no caso) dos estados mentais, (e também com relação) ao corpo, órgãos dos sentidos e objetos externos --bāhya--, (deve haver uma "vivificação" infundindo-os na Bem-Aventurança do quarto estado de consciência)||39||


(Deve-se adicionar ao aforismo anterior para completar o seu sentido:) "(Deve haver) vivificação dos três estados --manifestação, manutenção e reabsorção-- por meio do principal, (em outras palavras, 'por meio do quarto estado de consciência, que é uma Testemunha e está repleto de Bem-aventurança transcendental')"|

Assim como ele deve realizar vivificação mediante Turya --o Quarto, que é uma massa compacta de Bem-aventurança-- com relação ao estado mental interno, da mesma forma, inclusive com relação à condição exteriorizada cuja natureza é a manifestação de corpo, órgãos dos sentidos (e) objetos externos, deve realizar vivificação mediante isso --mediante Turya--, muito gradualmente, (ou seja,) paulatinamente, por meio da força (conseguida a partir do) firme agarramento da consciência interna|

Isso foi descrito no venerável Vijñānabhairava:

"Deve-se lembrar do mundo inteiro ou do próprio corpo como repleto da sua própria bem-aventurança. Simultaneamente --isto é, quando se é capaz de lembrar dessa maneira--, preenche-se da Mais Elevada Alegria devido ao seu próprio Néctar"||

Dessa forma, o Poder de Liberdade Absoluta, cuja natureza é Bem-aventurança, torna-se manifesto em todos os estados (e, como resultado final,) transforma-se em um Criador (que é capaz de manifestar qualquer coisa) à vontade --conforme desejar--1 ||39||

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1  A Liberdade Absoluta do Senhor está sempre manifesta em todos os estados de todos os seres, mas, no caso de um grande Yogī, a diferença está no fato de que ele é plenamente consciente dessa Liberdade Absolute a. Em outras palavras, dá-se conta constantemente Dela, enquanto o resto dos seres em escravidão não tem tal percepção. Essa é a distinção! E, é claro, é nesse sentido que o sábio Kṣemarāja estabeleceu que o Poder de Liberdade Absoluta se transforma em Criador de qualquer coisa à vontade nesse eminente Yogī. Muito bem!Return 

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 Aforismo 40

Mas, quando esse mesmo (Yogī) não está consciente do estado interno de Turya como o estado do Ser, então, por causa da condição na qual corpo, etc. --corpo, ego, etc.-- (são considerados como) o experimentador ou conhecedor que consiste em --refere-se à "condição", e não ao "experimentador ou conhecedor"-- Āṇavamala --impureza primordial--, caracterizado pela noção de imperfeição e falta de plenitude1 


Devido ao desejo baseado em um sentimento de carência, há exteriorização no ser limitado, (que fica, dessa forma, sujeito à roda do Saṁsāra ou Transmigração de uma forma de existência a outra)||40||


Um "saṁvāhya" (é) um ser limitado envolvido em ações (que), "junto com Kañcuka-s --envoltórios de Ignorância--, órgão (psíquico) interno --composto de intelecto, ego e mente--, órgãos externos --conectados com os Poderes de percepção e ação--, elementos sutis e elementos brutos, os quais são regidos pelo grupo de poderes2 , é conduzido (ou) guiado de uma forma de existência até outra forma de existência". No caso desse (ser limitado), segundo o que foi mencionado no venerável Svacchandatantra (da seguinte maneira:)

"... nesse caso, o desejo (é) mala ou impureza"|

there is extroversion on account of abhilāṣa --desire based on a feeling of want-- in the form of Āṇavamala (also) known as Avidyā or Ignorance consisting in the notion of imperfection or incompleteness. (Extroversion) is orientation toward --viz. interest in-- objects only, (and) never attentiveness to the internal nature|

Isso foi declarado no Kālikākrama:

"(No caso de uma pessoa ignorante,) ao estar coberta ou velada pela ignorância sobre Isso --o Ser-- (e) por meio do uso ou aplicação de pensamentos, não se torna instantaneamente consciente de todos (os tattva-s ou categorias) que começam com Śiva (são a sua própria natureza essencial, que é uma compacta massa de Consciência).

Então, bons e maus estados aparecem; e, como (tal pessoa) está sob o controle dessa (ignorância sobre o seu próprio Ser), sobrevém (a ele) grande dor devido aos (supracitados) maus estados3 .

Abrigando --lit. tendo abrigado-- falsas ideias e imaginações, (essas pessoas ignorantes) são tormentadas no inferno, etc., e são queimadas pelas suas próprias falhas e vícios assim como os bambus (queimam em seu próprio) fogo.

Essas pessoas sempre sofrem de ignorância devido aos (seus) estados enganosos --estados Máyicos--; (em quando) obtêm um corpo feito por Māyā --a própria Ilusão--, (tornam-se) um receptáculo para a aflição4 "

||40||

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1  Āṇavamala é a impureza primordial (a primeira e mais poderosa), que faz com que o Senhor (Você!) sinta que é imperfeito e incompleto. Por meio de esforços, podem-se eliminar todas as impurezas, exceto Āṇavamala. A sua eliminação está relacionada unicamente à Sua Graça, e não a algum tipo de esforço. A palavra "impureza" não está indicando nada "imoral". Em Trika, impureza indica "ausência de unidade", enquanto pureza é "presença de unidade". Então, um mala ou impureza é algo que limita e profuz, ao final, dualidade, isto é, cessação de unidade. Leia Trika 4 para obter mais informação relevante sobre essa impureza.Return 

2  O sábio está mencionando toda a série de tattva-s (categorias da manifestação universal), desde Kañcuka-s (que incluem Māyā, sua fonte) até o último elemento bruto. Leia esta Tabela de Tattva-s para conseguir mais informação. E, com relação às deidades que regem os respectivos tattva-s, você deve primeiramente ler Tattva-s & Sânscrito para averiguar quais letras estão associadas aos tattva-s 6 a 36; finalmente, identifique as respectivas deidades lendo a nota 1 de III, 19 na presente scritura.Return 

3  Essas duas estrofes do Kālikākrama já foram citadas por Kṣemarāja, bem como traduzidas por mim, em III, 35 da presente escritura. No entanto, as próximas duas estrofes são novas em folha!Return 

4  Segundo o sábio Patañjali, existem cinco tipos de aflição. Leia Pātañjalayogasūtra-s II, 3.Return 

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 Aforismo 41

No entanto, quando (o Yogī) se torna consciente da própria natureza essencial, exibida devido a uma concessão de Graça --lit. descida de Poder-- por parte do Senhor Supremo, então, pela ausência de abhilāṣa ou desejo baseado em um sentimento de carência, não há exteriorização no seu caso, e sim o estado de regozijar-se sempre em seu próprio Ser. (Śiva) disse assim (no seguinte aforismo)


(Entretanto,) no caso do (grande Yogī) cuja consciência (está) estabelecida Nisso --no quarto estado ou Turya--, com a eliminação desse (desejo) --ver aforismo 40--, (produz-se também) a total eliminação da (condição de) ser limitado||41||


(O primeiro) "tad" (significa) no estado de Turya, cuja natureza é o (Supremo) Conhecedor indicado anteriormente --em III, 32--. (A palavra) ārūḍha --estabelecida-- (significa) consagrada a perceber e dar-se conta desse (Turya). (E pramiteḥ significa) no caso desse Yogī cuja pramiti (ou) consciência --então, a primeira expressão "Tadārūḍhapramiteḥ" no aforismo significa "No caso desse Yogī cuja consciência está estabelecida no estado de Turya, isto é, cuja consciência está consagrada a perceber e dar-se conta desse Quarto Estado, que é o Conhecedor Supremo"--|

(O segundo) "tad" (representa abhilāṣa ou desejo baseado em um sentimento de carência. Consequentemente, a expressão "tatkṣayāt" significa) com a eliminação do desejo baseado em um sentimento de carência. (Finalmente, a expressão "jīvasaṅkṣayaḥ" significa total) eliminação (ou) cessação do jīva (ou) ser limitado, (isto é,) do estado onde (se considera) o corpo sutil --formado por intelecto, ego, mente e elementos sutis-- (como) o (verdadeiro) experimentador. (Em poucas palavras, esse grande Yogī) aparece brilhantemente como (dotado do) estado de Experimentador, que é Consciência (pura) --Em poucas palavras, ele aparece brilhantemente como o Senhor Supremo--. Esse é o significado|

Isso foi declarado naquele mesmo (livro) --no Kālikākrama--:

"Assim como alguém que está desperto não vê os objetos experimentados em sonho, da mesma forma, contemplando (o seu próprio Ser), o Yogī não vê o mundo (como mundo, e sim como Consciência)1 "||

Da mesma forma:

"Tendo rejeitado os modos de existentes e inexistentes (tais como como azul, prazer, etc.,) recorrendo ao estado interno --ao Ser, que está no meio do que existe e do que não existe-- (e) tendo abandonado a grande quantidade de imaginações (tais como) diferente e não diferente por meio do não dualismo, o Yogī, que está sempre consagrado ao próprio Ser, unicamente dedicado a tragar a morte (e) dedicado ao estado de Kaivalya ou Isolamento, obtém o estado de Nirvāṇa2 "||

(A expressão) "Kaivalyapadabhāk" (significa) alguém que são é levado por (seus) Indriya-s e Tanmātra-s3 ||41||

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1  Assim como não se vê, em vigília, os objetos que se manifestaram durante o sono, da mesma forma, um grande Yogī, devido à perfeição da sua contemplação, percebe o universo apenas como Consciência, e não como algo cheio de dualidade. Vê-se dualidade no mundo somente quando se é um saṁsārī, isto é, alguém atado à existência transmigratória (Saṁsāra) devido ao Āṇavamala. A palavra saṁsārī é sinônima de saṁvāhya ou jīva (um ser limitado). Quando a Graça do Senhor cai sobre ele, o Āṇavamala é eliminado e a sua contemplação no Ser se torna perfeita. Então, o mundo não é mais visto como mundo, e sim como Consciência pura. Esse é o sentido.Return 

2  O termo Nirvāṇa não deve ser interpretado de uma maneira budista aqui. Em Trika, significa "Śivaśaktisāmarasya". A palavra "sāmarasya" significa "o estado relacionado a samarasa". Como "samarasa" é "que tem igual sabor", Śivaśaktisāmarasya significa, literalmente, esse "estado onde Śiva e Śakti têm o mesmo sabor". Agora, para ser menos literal e mais "philosophical", hehe, Śivaśaktisāmarasya é esse estado não diferenciado onde a dualidade na forma de Śiva-Śakti (Sujeito-objeto) cessa completamente.Return 

3  Kaivalya ou Isolamento em Trika não deve ser interpretado como no sistema denominado Sāṅkhya-yoga, isto é, como um isolamento da Prakṛti, mas sim como um estado onde não se é mais levado por seus Poderes de percepção/ação (Jñānendriya-s e Karmendriya-s) e elementos sutis (Tanmātra-s). É nesse sentido que tal Yogī é um Kaivalyapadabhāk ("bhāk" é o Nominativo singular de "bhāj"). Não é um mero saṁvāhya (lit. que é levado) ou ser limitado que é levado a todo momento por seus Indriya-s e Tanmātra-s.Return 

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 Aforismo 42

Uma objeção!: "Dessa forma, quando existe total eliminação da (condição de) ser limitado, o seu corpo cai (também) ----lit. a queda do corpo é alcançada; isto é, o corpo morre--, mas isso --a queda ou morte do corpo-- não é notado imediatamente no caso do perfeitamente bem desperto (Yogī) que tem um corpo --em outras palavras, ele alcançou Libertação final, mas, ainda assim, o seu corpo não morreu--. Portanto, como (é) ele alguém cuja consciencia está estabelecida Nisso --em Turya--? --como pode ele estar completamente liberto e, ao mesmo tempo, manter o seu corpo?--". Tendo assim contestado, (Śiva) disse—


Então, (quando o desejo finalmente desaparece, esse Yogī utiliza o corpo que está composto de) elementos brutos como um envoltório; (e, ao estar) completamente libertado, (já que é) preeminentemente igual ao Senhor (Śiva, é) perfeito e pleno||42||


"Tadā" --Então--, (ou seja,) a partir da eliminação de abhilāṣa ou desejo baseado em um sentimento de carência, quando há total eliminação da (condição de) ser limitado —quando há desaparecimento da noção de que o corpo sutil --intelecto, ego, mente e elementos sutis-- é o (verdadeiro) experimentador—, ele --o grande Yogī-- (se torna) bhūtakañcukī (ou) alguém cujos elementos brutos --espaço, ar, fogo, água e terra-- que formam (o seu) corpo (são) como um Kañcuka (ou) envoltório separado, (e) não tocam o estado de "Eu". Aquele que é assim (é) completamente liberatado (e) desfruta do Nirvāṇa1 . (E,) já que (é) preeminentemente (ou) principalmente igual ao Senhor (Śiva), (ou seja, visto que) ingressou na natureza essencial do Senhor Supremo, que é uma compacta massa de Consciência, consequentemente, (ele é) para (ou) perfeito e pleno. "A permanência no corpo (é seu) voto, (isto é, mantém uma forma física devido à sua enorme compaixão pela humanidade; é, na verdade, um ato piedoso de sua parte). (III, 26) (da presente escritura)"; de acordo com o significado do previamente mencionado aforismo, ainda que ele exista em corpo, etc., como (se estes fossem) a bainha de uma espada --apesar de que cobre a espada firmemente, está sempre separada da espada propriamente dita--, não é tocado nem mesmo por uma impressão residual (da noção de que) isso --corpo, etc.-- é o (verdadeiro) experimentador ou conhecedor --o Ser--2 |

Essa (verdade) foi (também) mencionada na venerável Kularatnamālā:

"Quando o mais eminente entre os mestres espirituais fala sobre Isso --Deus-- em sua totalidade, não existe dúvida (de que seu discípulo) se liberta nesse mesmo instante, (e, posteriormente, tal discípulo) permanece (em seu corpo) unicamente (como) uma máquina --ele não o considera mais como o seu verdadeiro Ser--.

Quanto mais, então, o sábio que está totalmente concentrado no Mais Alto Brahma --o Absoluto--? (Se tal) Yogī permanecer apenas por um momento (no Mais Alto Brahma), torna-se libertado (e) liberta (outros) seres"||

No venerável Mṛtyujit --também chamado Netratantra--, também (foi dito):

"E, se (o Mais Elevado e Imperecível Śiva) for percebido (por alguém) --se alguém se der conta Dele--, inclusive pelo tempo de um piscar de olhos, a partir de então, essa (pessoa) se libertará e não nascerá --lit. não obterá um nascimento-- de novo3 "||
(Ver VIII, 8 no Netratantra)

No Kulasāra, (foi) também (mencionado):

"Ah!, a exaltada posição e majestade do Princípio (Supremo é tal,) oh bela, (que,) quando é meramente conhecido (por alguém) --somente com o intelecto--, ao ser comunicado (por essa pessoa) a outra --lit. a outro ouvido--, (aquela que o recebe) é libertada imediatamente"||

||42||

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1  Já expliquei o significado de "Nirvāṇa" nesse sistema por meio da nota 2 de III, 41.Return 

2  Ele mora no corpo, etc., como uma espada em sua bainha. De qualquer forma, nunca considera o seu corpo como sendo o seu verdadeiro Ser ou Eu. Por quê? Porque, ao estar ele totalmente identificado com o Senhor Supremo, que é uma massa compacta de Consciência, é sempre como Ele: absolutamente livre! O resto das pessoas, por estar completamente identificado com os seus corpo, etc., e sob o controle do Āṇavamala, falham em dar-se conta da sua natureza essential. Em outras palavras, são essencialmente o Senhor, mas não se dão conta da sua verdadeira identidade e pensam erroneamente que não o são de jeito nenhum!Return 

3  Em seu Netroddyota, Kṣemarāja explica, de maneira simples, o significado dessa estrofe do Netratantra. O seu comentário inteiro diz: "Kenaciditi madhye'dhyāhāryam| Upalabhyate samāviśyate| Tataḥprabhṛti na tu kālāntare| Muktaḥ sthitairapi dehaprāṇairaguṇīkṛtaḥ| Na ca taddehatyāge punarjanma dehāntarasambandhamāpnotyapitu paramaśiva eva bhavati||" - "(A palavra) 'kenacid' --'por alguém'-- deve ser adicionada no meio (da estrofe, para completar o sentido) --isto é, deve haver 'alguém' que realize o que se declara na estrofe--. (O termo) 'upalabhyate' (significa) 'é penetrado' --no sentido de 'é percebido'; refere-se ao Mais Elevado e Imperecível Śiva... sei isso porque li a estrofe anterior no Netratantra--. (A expressão) 'Tataḥprabhṛti' ou 'a partir de então' (significa que) não é em outro momento, (mas sim desse momento em diante) --você também pode separar as duas palavras desta forma: Tataḥ prabhṛti--. 'Mukta' ou 'libertado' de corpos e energias vitais, ainda que estes continuem existindo, (ou seja,) desprovido de atributos ou qualidades. E, após abandonar o seu corpo, não nasce outra vez, (isto é,) não entra em associação com outro corpo, mas sim se torna o Śiva Supremo".

Com a ajuda do sábio Kṣemarāja, o Netratantra é muito mais fácil de entender, não é?Return 

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 Aforismo 43

Uma objeção!: "Por que não desaparece então nem sequer o seu estado de usar os elementos brutos (que formam o seu corpo) como envoltório --quando o Yogī alcança Libertação final--?" (Em resposta a essa objeção, Śiva) disse—


O vínculo ou associação da energia vital (com o corpo é) natural||43||


O vínculo ou associação da energia vital (com o corpo é) natural, (isto é,) proveniente de nisarga ou natureza, cuja essência é a Liberdade Absoluta (do Senhor Supremo). A gloriosa Consciência, realmente, com desejo de manifestar diversidade no universo, tendo primeiramente recorrido à manifestação da contração --limitação--, aparece brilhantemente como o mundo, que é grāhya ou cognoscível --aquilo que se pode conhecer ou experimentar--, assumindo a condição de grāhaka ou conhecedor --aquele que conhece e experimenta--, que é uma forma adotada por Prāṇanā --a energia vital universal--, cuja essência é Sphurattā ou a vibrante Luz de Deus que manifesta o universo inteiro, mas em uma forma contraída ou limitada --já que essa vibrante Luz de Deus, a gloriosa Consciência, primeiramente recorreu a saṅkoca ou contração--. Dessa forma, o vínculo ou associação da energia vital (com o corpo é) natural, (porque) surgiu inicialmente a partir Dela --a partir da gloriosa Consciência-- devido a Svātantrya --Sua Liberdade Absoluta-- --em suma, o vínculo entre corpo e energia vital é natural porque foi manifestado dessa maneira pelo Senhor do universo--|

Assim também (se declarou) no venerável Vājasaneyā:

"A Śakti --o Poder do Senhor--, que (é) suprema, sutil, que a tudo penetra --onipresente--, (que é) pura, auspiciosa, mãe do grupo de poderes, a mais alta bem-aventurança, cuja natureza é o néctar que confere imortalidade, senhora das mahāghorā-s --os grandemente terríveis poderes que atam e subjugam os seres limitados--, terrível --pois Ela oculta a própria natureza essencial-- (e) aquela que produz manifestação (e) reabsorção (do universo). Ela, pela força, manifesta e retira o Tempo, que aparece como três fluxos ou correntes --isto é, o tempo flui através dos canais sutis denominados Iḍā, Piṅgalā e Suṣumnā--, de três maneiras --o Tempo surge na forma de lua, sol e fogo, os quais representam objeto cognoscível, conhecedor ou sujeito e conhecimento, respectivamente-- (e) em três aspectos --o Tempo se manifesta como passado, presente e futuro--"||

O supracitado estado de ser a produtora (tanto) da manifestação externa (quanto) da retirada interna com referência ao Tempo externo na forma de uma série de energias vitais (pertence) unicamente à gloriosa Consciência. (O Tempo externo aparecendo como uma série de energias vitais foi mostrado na própria estrofe pelos termos "tristham", "trividham" e "trivaham", isto é, o Tempo externo é aquilo) cuja forma é passado, futuro (e) presente, (é aquilo que) permanece como lua --objeto cognoscível--, sol --conhecedor ou sujeito-- (e) fogo --conhecimento--, (e) flui através dos três canais sutis --Iḍā, Piṅgalā and Suṣumnā--1 |

Isso foi mencionado também no Svacchandatantra:

"A energia vital consiste em prāṇa (e) apāna em cada expiração (e) inspiração, (e) existe no tórax dos seres vivos como aquilo que enche de ar --de vida-- constantemente2 "||
(Ver VII, 25 no Svacchandatantra)

Segundo o que foi mencionado (no próprio Svacchandatantra):

"Diz-se, certamente, que a letra 'ha' é energia vital que ocorre por si mesma --automaticamente-- (e) tem a forma de um arado3 "||
(Ver IV, 257 no Svacchandatantra)

diz-se que o estado de ser o produtor de manifestação (e) reabsorção na forma de emissão e preenchimento pertence à energia vital ou prāṇa porque está repleto do vigor e poder cuja natureza é o mais digno de adoração Svacchanda --o Absolutamente Livre Senhor--. Então, foi dito corretamente (na estrofe): "O vínculo ou associação da energia vital (com o corpo é) natural"|

Por essa mesma razão, umaa corroboração de que o que se conhece como prāṇa ou energia vital é a causa (de manifestação e reabsorção) foi mencionada pelo venerável Kallaṭa em (seu) Tattvārthacintāmaṇi:

"No início, a Consciência se converte em energia vital"|

||43||

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1  Como o Tempo é uma manifestação de Prāṇanā, a energia vital universal cuja essência é a vibrante Luz de Deus, assim, aparece na forma de uma série de prāṇa-s ou energias vitais. Sim, talvez seja difícil de entender o conceito de Tempo como energia vital, mas é verdade. Com relação ao resto da minha tradução do parágrafo, obviamente, tive que organizá-la convenientemente ou esse composto sesquipedálico (longo e abstruso) que começa com "nāḍitraya" e termina com "kāritvam" teria matado facilmente os nossos intelectos, haha! Esse tipo de compostos extra-longos é visto comumente nas obras de alguns mestres de Trika (por exemplo, Abhinavagupta e seu discípulo Kṣemarāja).

Felizmente, esse estilo de empilhar palavras não aparece geralmente em escrituras mais antigas. O problema com os compostos sesquipedálicos é que quanto mais palavras contiver, mais problemática se torna a sua tradução. Se você for um estudante de Sânscrito, já sabe que cada palavra em Sânscrito pode ter muitos significados (às vezes, uma quantidade gigantesca). Então, por exemplo, se você tiver um composto de três palavras, cada uma delas com cinco significados possíveis, bem, terá quinze significados possíveis na combinação. Para um tradutor com suficiente experiência e conhecimento, compostos curtos dessa forma são relativamente fáceis de traduzir. De qualquer forma, se o composto tiver mais de cinco ou seis palavras, o tradutor vai suar proporcionalmente à medida que o número de possíveis combinações aumenta. O composto escrito por Kṣemarāja no composto anterior tinha mais de quinze palavras! Sim, a maioria delas é bastante compreensível para um tradutor experiente com um sólido conhecimento de filosofia, mas existem dois termos que não são nada fáceis de traduzir: "ullāsa" e "vilāpana". Para traduzi-los, é necessário ler os comentários de eruditos especialistas nesse sistema filosófico. Se você apenas utilizar um dicionário de Sânscrito, pode chegar a deduzir que "ullāsa" talvez seja algo como "manifestação", mas "vilāpana" é mais problemático, e, se você traduzi-lo meramente como "destruição, morte, etc.", a sua tradução não ficará muito boa. Os significados corretos desses termos nesse contexto são, segundo os grandes eruditos, "manifestação externa" e "retirada interna". Assim, o meu conselho para estudantes de Sânscrito é sempre: "obtenham os comentários antes de empreender uma tradução".

Obviamente, às vezes não existe nenhum comentário disponível, e você está absolutamente "por sua conta" (por exemplo, eu mesmo, quando traduzi o Netroddyota, Svacchandoddyota, etc., para lançar mais luz sobre um certo tema). Nesse caso, você terá que se apoiar em Deus com muita frequência, hehe, pois essa posição não é nem um pouco desejável. Os textos de sábios como Abhinavagupta, Kṣemarāja, etc., podem facilmente acabar com qualquer estudante de Sânscrito que seja principiante ou inclusive intermediário. E os avançados precisarão de abundante conhecimento de Trika mais alguns comentários como apoio se quiserem ter um dia feliz, tenha certeza disso. De fato, alguns escritos de Abhinavagupta (se não forem todos eles!) precisam de um grupo de eruditos para produzir uma boa tradução. É por isso que sempre estou com medo de Abhinavagupta e seus estudos. Podem facilmente afundar o meu pequeno barco, sem dúvidas.Return 

2  A energia vital como um todo se chama: "prāṇa". Mas este é dividido em dez categorias, cinco das quais são principais e as outras cinco são subsidiárias. O problema jaz em uma dessas categorias (uma das cinco que são as principais) por ter o mesmo nome, isto é, "prāṇa". Muito frequentemente, as pessoas confundem essa categoria com prāṇa ou a energia vital "como um todo". Uma maneira de contornar essa confusão é chamar a energia vital de Prāṇa ("p" inicial maiúsculo) e a categoria de prāṇa ("p" inicial minúsculo), ou então chamar a energia vital como um tudo de "mahāprāṇa" (grande prāṇa) e deixar a palavra "prāṇa" para a mera categoria. Esses são os métodos que se utilizam geralmente para contornar o pequeno obstáculo. De qualquer forma, a palavra "prāṇa" da frase "Prāṇāpānamayaḥ" na estrofe claramente se refere à categoria, e não ao "prāṇa" como um todo. Por outro lado, a segunda ocorrência (isto é, "prāṇo" na estrofe) realmente refere à energia vital "como um todo". Leia Uccāra em Meditação 4 para obter mais informação.

Por sua vez, as categorias "prāṇa" e "apāna" são duas energias vitais, uma saindo por meio da expiração e outra entrando por meio da inspiração, respectivamente. É por isso que a estrofe specifica "em cada" (prati).

Embora Kṣemarāja não mencione isto aqui, posso ler uma declaração que segue a estrofe citada no Svacchandatantra, a qual completa o sentido: "Prāṇanaṁ kurute yasmāttasmātprāṇaḥ prakīrtitaḥ|" - "Visto que dá vida, portanto, chama-se prāṇa --lit. sopro de vida--".

Agora, creio que tudo esteja claro como cristal.Return 

3  Eu mesmo poderia explicar isso, já que o significado é relativamente simples, mas citarei o Svacchandoddyota (o comentário erudito de Kṣemarāja sobre o Svacchandatantra) para que você receba a explicação diretamente a partir de uma fonte oficial. De qualquer forma, apesar de que citarei apenas uma porção muito pequena que aparece no início do comentário inteiro escrito pelo sábio, terei que explicá-la a você também, hehe!... não há outra saída!:

"Yo'yaṁ halākṛtiranacko hakāro'nāhatadhvanyātmā" - "Aquilo que tem a forma de um arado (é) a letra 'ha', desprovida de uma vogal (e) sua natureza é o som não produzido por golpe".

Excelente! Bem, o grande gramático Pāṇini criou um termo técnico para designar todas as vogais ou qualquer vogal: "ac". Então, "anacka" significa "qualquer consoante sem vogal, isto é, isolada". Como é óbvio meramente olhando o 'h' (ou seja, 'ha' com a vogal 'a' omitida) em Sânscrito —veja!: "ह्" - "h"—, essa letra realmente tem a forma de um arado. Mas isso não é tão fácil, pois há outra maneira de ler "halākṛti" (tem a forma de um arado). Em vez de considerar que se compõe de "hala + ākṛti" - "arado + forma", poderia ser interpretado como formado a partir de "hal + ākṛti". Nesse caso, "hal" é um termo técnico criado por Pāṇini para designar todas as consoantes ou qualquer consoante. Assim, a tradução dessa pequena porção do Svacchandoddyota se torna:

"(A expressão) 'hakāra' (na estrofe indica) aquilo que tem a forma da consoaante ('ha',) mas sem vogal, e cuja natureza é o som não produzido por golpe".

E a sua natureza é o som "não produzido por golpe" porque esse som é produzido naturalmente pela inspiração, sem a necessidade de objetos se golpeando. Em todos os seres vivos, a respiração prossegue contínua e espontaneamente com os sons "ha" e "sa" a cada inspiração e expiração. Esse processo ocorre por si mesmo, automaticamente.Return 

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 Aforismo 44

É por isso que, enquanto o vínculo ou associação natural da energia vital (com o corpo) existir, aquele que, ao estar estabelecido nisso --no estado de conhecedor, que é uma forma adotada por Prāṇanā, a energia vital universal--1 , continua estando consciente da interior (e) perfeita consciência do Eu --Śakti--, (é) extraordinário --lit. está além do que é comum--. (Śiva) disse assim (no seguinte aforismo)


(Há energia vital --prāṇaśakti ou prāṇa--) no canal sutil esquerdo --Iḍā--, no canal sutil direito --Piṅgalā-- (e) em Suṣumnā --o do meio--.

Mediante a intensa e constante consciência do centro --isto é, da perfeita consciência do Eu-- do aspecto interno (da mencionada) prāṇaśakti, (o Yogī permanece na constante percepção da suprema e perfeita consciência do Eu para sempre).

O que mais (poderia ser dito) a este respeito?||44||


(Há) nāsikā --prāṇaśakti ou prāṇa-- nos principais do grupo (composto por) todos os canais sutis —em savya, apasavya e Suṣumnā—, (isto é,) nos canais sutis direito, esquerdo e intermediário --conhecidos como Piṅgalā, Iḍā e Suṣumnā--, (respectivamente)2 . (E "nāsikā" é) prāṇaśakti --ou prāṇa--, aquela que flui em zigue-zagues, considerando que (os termos "nāsikā" e "kuṭilavāhinī" derivam de "nasate kauṭilyena vahati" ou) "ela zigue-zagueia, (isto é,) ela flui fazendo zigue-zague"3 . (A palavra) "antár" (significa) aspecto interno (ou) Consciência dessa (nāsikā). (E) "madhya" ou "centro" desse (aspecto interno de nāsikā) também, por ser o mais recôndito de tudo, (é) "Pradhāna" ou "a Realidade essencial" --em suma, a perfeita consciência do Eu, que está no centro de tudo--|

"Desse Deus que sobrepuja todos os outro deuses (e) cuja natureza essencial é a Mais Elevada Consciência --esse Deus é Śiva ou Prakāśa--, Vimarśa --a consciência do Eu-- (é) o Supremo Poder, que é onisciente, (isto é,) cheio de conhecimento"||

Usando o que se foi expressado no venerável Kālikākrama como guia, mediante saṁyama (ou) a intensidade de uma (constante) consciência interna dessa natureza essencial, que é Vimarśa --a consciência do Eu--, diz-se "kimatra" --uma exclamação que mostra deleite e cujo significado é "O que mais (poderia ser dito) a este respeito?"-- (no sentido de que, como resultado de tal saṁyama, brota) esse supremo Nirvyutthānasamādhi, que brilha intensamente em todos os estados --isto é, sob todas as circunstâncias--4 |

Isso foi declarado no venerável Vijñānabhairava:

"A consciência de objeto (e) sujeito é comum a todos os seres encarnados, mas, no caso dos Yogī-s, esta (é a) distinção: há atenção à relação (entre objeto e sujeito)"||

||44||

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1  Isso não é invenção minha, e sim o que comentam os grandes eruditos sobre essa palavra "tad" (aquilo) no presente contexto. Além disso, você pode facilmente verificar que essa declaração concorda completamente com o que se afirmou no comentário sobre o aforismo anterior.Return 

2  Para não ter uma manada de estudantes de Sânscrito corrigindo a minha tradução de "savya" e "apasavya" como "direito" e "esquerdo", respectivamente, preciso dizer algo: Sim, está certo! Se consultar um dicionário, verá que "savya" significa "esquerdo" e "apasavya" significa "direito". De qualquer forma, Kṣemarāja gosta de considerar os significados de "savya" e "apasavya" como se fossem sempre indeclináveis (não importando se eles atuam ou não como indeclináveis). Se você checar o dicionário, "savya" e "apasavya", como indeclináveis --ou seja, como savyam/savyena e apasavyam/apasavyena--, significam "à direta" e "à esquerda", respectivamente. Agora, você pode entender facilmente por que ele interpreta os significados de "savya" e "apasavya" de modo oposto ao que se esperaria. Sim, é um pouco infernal e confuso... de fato, fico tonto só de ler savya e apasavya, é como um trava-língua!... mas não podemos evitar isso, como você sabe. Lembre-se disso no futuro, por favor.Return 

3  Ela (em suma, nāsikā ou prāṇaśakti, a energia vital) zigue-zagueia porque flui através dos canais sutis no corpo sutil/astral, os quais, em geral, são curvos. Isso é especialmente verdadeiro com relação a Iḍā e Piṅgalā, já que estas se movem à esquerda e à direta de Suṣumnā, zigue-zagueando.Return 

4  A partir dessa estrofe do Kālikākrama, fica muito claro que o Poder Supremo do Senhor não é nada mais que a própria consciência do Eu. Usando esse ensinamento como guia, o comentador explica que, mediante saṁyama dessa suprema consciência do Eu, o grande Yogī alcança Nirvyutthānasamādhi ou uma absorção em seu "Eu" da qual nunca retornará ao estado normal ou vyutthāna, mas sim manterá tal percepção sob todas as circunstâncias, em todos os estados e condições. A palavra saṁyama não deve ser interpretada aqui como define o grande sábio Patañjali em seus Yogasūtra-s III, 4, mas sim como "antarnibhālanaprakarṣa" ou "a intensidade de uma (constante) consciência interna". Consciência de quê? Da sua própria e supremamente perfeita consciência do Eu ou Vimarśa, que é a Realidade central mais recôndita. Em outras palavras, torna-se consciente da sua verdadeira natureza de novo e de novo (constantemente). Tendo tal sublime Yogī alcançado o mais alto estado de consciência, "kimatra", ou seja, "O que mais (poderia ser dito) a este respeito?".

Ainda assim, o Senhor escreverá outro aforismo (o 45o) apenas para descrever sucintamente o estado final alcançado pelo imortal Yogī que é o próprio Ser.Return 

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 Aforismo 45

Dessa forma, (agora, Śiva) faz um resumo do livro e do seu tema --Śivasūtra-s--, mostrando o fruto do Yoga para (tal Yogī)


(No que se refere ao Yogī iluminado), existe, de novo e de novo, a consciência do the Ser Supremo, tanto internamente como externamente||45||


Um pratimīlana —completamente livre de (qualquer) impressão residual de dualidade— ocorre de novo e de novo no caso do Yogī que está imerso no Yoga Mais Elevado. (Um pratimīlana) desse universo, que surgiu a partir da sua natureza essencial (ou) Consciência em Liberdade Absoluta. (Esse pratimīlana é, por um lado,) uma absorção interna no Ser Supremo —quando (o Yogī está) orientado em direção à Consciência (interior)(e,) por outro lado, uma absorção externa no (mesmo) Ser Supremo, (onde o Yogī experimenta que o universo inteiro é a) sua própria Essência, cuja natureza é (o mesmo) Caitanya ou Consciência1 |

Isso foi descrito no venerável Svacchandatantra:

"Oh deusa!, Unmanā está além de (Samanā); deve-se unir-se a isso --a Unmanā--. Consequentemente, o ser que está unido com isso torna-se idêntico a isso2 "||
(Ver IV, 332 no Svacchandatantra)

Além disso, (no mesmo Svacchandatantra, foi dito):

"Assim como um fogo que se ergueu puro (e) muito radiante (de um pedaço de madeira) não entra no pedaço de madeira novamente, da mesma forma, o Ser que surgiu a partir do Ṣaḍadhvā --os Seis Cursos--, por estar libertado de Āṇavamala, Kārmamala e Māyīyamala, etc., é um vigataklama ou alguém cuja fadiga cessou. Ainda que ele more ali --no mundo--, não é atado (pelos prazeres desse mundo), já que é extremamente imaculado3 "||
(Ver X, 371-372 no Svacchandatantra)

(Ao dizer) "Bhūyaḥ syāt" ou "existe de novo e de novo" (no aforismo), essa (é) a intenção Daquele que o declara --isto é, de Śiva, o autor dos Śivasūtra-s--:

Que o estado de Śiva desse Yogī não é totalmente novo, mas sim a (sua) própria natureza essencial! Apenas por causa da perversão dos seus pensamentos despertados por māyāśakti --Seu poder para produzir dualidade--4 , ainda que isso --o estado de Śiva-- estava manifesto, ele não foi capaz de reconhecê(-lo) --de tocá-lo--. Dessa maneira, esse (estado de Śiva) foi (agora) manifestado para ele --para o Yogī iluminado-- pela série (de aforismos) que exibem e explicam os meios que foram descritos. Que haja bem-estar (para todos os seres)!||45||

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1  Dito de maneira simples: Esse Yogī experimenta o Ser Supremo tanto internamente quanto externamente. Internamente, o Senhor aparece como o seu Ser interior ou "Eu" real e, externamente, aparece como o universo inteiro. Portnato, tal Yogī iluminado percebe unicamente a Deus a todo momento. Esse extraordinário estado de consciência é denominado Pratimīlana.Return 

2  Para compreender plenamente o tema que versa sobre Samanā e Unmanā, leia Meditação 6.Return 

3  A expressão "que surgiu a partir do Ṣaḍadhvā --os Seis Cursos--" indica que semelhante alma libertada foi além deles. Por sua vez, as palavras "mala, karma e kalā" indicam "Āṇavamala, Kārmamala e Māyīyamala". Por quê? Em primeiro lugar, Āṇavamala é muito frequentemente designado meramente pelo termo "mala" (impureza), pois é a mais importante impureza. Em segundo lugar, como a palavra "karma" significa "ação", é óbvia a razão pela qual Kārmamala (impureza relacionada ao estado de fazedor) seja denominada dessa forma. Mas é misterioso que o Māyīyamala esteja sendo chamado "kalā" na estrofe do Svacchandatantra, porque "kalā" geralmente significa "śakti" ou "poder". De qualquer forma, se você recorrer a um dicionário, encontrará que a palavra significa principalmente "parte". E esta é a chave para resolver o mistério: Māyīyamala te força a considerar as coisas como diferentes entre si. Dessa forma, Māyīyamala gera um universo inteiro composto de partes, cada uma delas distinta das outras. Agora, acabou o mistério!

E, obviamente, ele é alguém cuja fadiga cessou (vigataklama), já que é totalmente livre de tudo o que esteja relacionado com esse mundo. Ele não tem mais problemas, porque, "para ter um problema", é necessário "um indivíduo" primeiro. Como esse grande Yogī foi além da sua individualidade e se deu conta da sua divindade, "o indivíduo" não está mais nele. Como o indivíduo está ausente, os problemas também não podem existir. Um mero corpo vivente não basta para "ter um problema". Isso é complicado quando posto em palavras, mas simples se você tiver essa experiência. Assim, com todas as suas forças e toda a sua honestidade, esforce-se para ser como ele: Absolutamente Livre!Return 

4  O significado desse termo já foi explicado por meio da nota 1 de III, 38.Return 

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 Fim da Seção III e da escritura

"Este comentário sobre os Śivasūtra-s, embelezado pela sua conexão com as Spandakārikā-s --um comentário contínuo sobre os Śivasūtra-s-- (e) pela sua conformidade com as Escrituras Reveladas, foi desenvolvido para (expor) o segredo de Śiva1 "||1||

"Que os virtuosos saboreiem —para cortar a existência transmigratória, evidentemente— esta Śivasūtravimarśinī abundantemente dotada do elixir feito a partir da essência do sempre novo Néctar que flui a partir do ensinamento sobre a secreta doutrina de Śiva!"||2||

"Esta (Śivasūtravimarśinī) aumenta o apetite (de conhecimento --na forma da doutrina de Śiva--) daqueles que não o têm (e) produz uma suprema transformação do entendimento. Meramente saboreando(-a), ela remove o medo da morte, velhice, nascimento, etc., como uma inundação de Néctar2 "||3||

"Coberto por corpo, energia vital, prazer, etc., devido a limitados assentos para (o seu) sentido de Eu --para a sua consciência de Eu--, o homem não percebe a Consciência Absolutamente Livre do Muito Glorioso Senhor como própria. No entanto, aquele que —por meio do ensinamento (comunicado)— contempla o universo, no meio do oceano do Néctar da Consciência, como uma massa da sua --desse oceano-- espuma em todos os lugares, diz-se que (é) o Próprio Śiva em pessoa3 "||4||

"Cruzem rapidamente o oceano do Saṁsāra --Transmigração cheia de miséria-- (e) estabeleçam-se firmemente no Mais Elevado Estado, que está completamente cheio de Luz (e) Alegria eternas! Reflita sobre o Sūtra --os aforismos-- enunciado por Śiva, (o qual parece) radiante (por causa) da doutrina secreta (contida Nele --no Sūtra--)! Esse (Sūtra) causa um salto (de Bem-aventurança e) brilha vigorosamente dentro (quando é ensinado) por um sábio"||5||

Aqui termina a terceira Seção chamada Āṇavopāyaprakāśana --(a Seção) que revela o meio que pertence a um aṇu ou ser limitado--, na Śivasūtravimarśinī, escrita pelo venerável Kṣemarāja, que depende dos pés de lótus --ou seja, pés belos como um lótus-- do eminente Abhinavagupta, o melhor dos preceptores espirituais (e) um grande devoto de Maheśvara, o Grande Senhor --epíteto de Śiva--||3||

Esta Śivasūtravimarśinī está concluída||

Que a obra do venerável Kṣemarāja seja para a paz e segurança daqueles que ponderam (profundamente sobre o significado da existência)! A Śivasūtravimarśinī (foi exposta) com o objetivo de (despertar) bodha ou consciência --compreensão-- da (inerente) unidade entre o próprio Ser (e) Śiva||

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1  Em Sânscrito, a palavra "vṛtti" ou "comentário" é de gênero feminino, assim como o título deste comentário sobre os Śivasūtra-s: "Śivasūtravimarśinī". As célebres Spandakārikā-s foram compostas por Vasugupta (o sábio ao qual Śiva revelou os Seus Śivasūtra-s), segundo Kṣemarāja, ou pelo seu principal discípulo, chamado Kallaṭa, segundo outros autores.

As Escrituras Reveladas são os antigos Tantra-s (por exemplo, o Svacchandatantra, o Mālinīvijayatantra, etc.). O tema é longo e complexp (como sempre nesse oceano de Sânscrito, hehe!), mas, se você leu o texto inteiro do presente comentário, certamente viu muitas citações extra~idas dessas mesmas escrituras.

O segredo de Śiva não é nada mais que o segredo do Śaivayoga ou união com o Senhor por meio de métodos śaiva-s. A palavra "śaiva" significa "de Śiva, relacionado a Śiva, que pertence a Śiva, e por aí vai".Return 

2  Para esclarecer as coisas: "ela remove o medo da morte, velhice, nascimento, etc." significa "ela remove o medo da morte, medo da velhice, medo do nascimento, etc.", e NÃO "ela remove o medo da morte, remove a velhice, remove o nascimento, etc.". É algo de pouca importância, mas achei que era importante esclarecer esse ponto. Enquanto a "ordem" em uma oração é fundamental em inglês, não é tão importante em Sânscrito. A concordância em Sânscrito depende principalmente de gênero, número, pessoa e tempo (ou modo). Enquanto estes estiverem bem, você pode mover as palavras livremente "em geral" (obviamente, há várias exceções).

Além disso, a expressão "naqueles que não o tem" significa "naqueles que não tem tal apetite".Return 

3  Há um "aparente" erro nessa estrofe (a quarta). De qualquer forma, não é um erro, mas sim uma licença poética. Permita-me explicar isso a você:

O sábio Kṣemarāja utiliza, nessa estrofe, a métrica conhecida como Śārdūlavikrīḍita (lit. o jogo do tigre... que nome ominoso!, hehe), que consiste de 19 sílabas por pāda (ou quarto). Na poesia acima, a quarta estrofe é assim:

Dehaprāṇasukhādibhiḥ parimitāhantāspadaiḥ saṁvṛtaścaitanyaṁ cinute nijaṁ na sumahanmāheśvaraṁ svaṁ janaḥ|
Madhye bodhasudhābdhi viśvamabhitastatphenapiṇḍopamaṁ yaḥ paśyedupadeśatastu kathitaḥ sākṣātsa ekaḥ śivaḥ||4||

Mas, para reconhecer a métrica, é necessário dividi-la em quatro quartos com 19 sílabas cada, desta forma:

Dehaprāṇasukhādibhiḥ parimitāhantāspadaiḥ saṁvṛta-
ścaitanyaṁ cinute nijaṁ na sumahanmāheśvaraṁ svaṁ janaḥ|
Madhye bodhasudhābdhi viśvamabhitastatphenapiṇḍopamaṁ
yaḥ paśyedupadeśatastu kathitaḥ sākṣātsa ekaḥ śivaḥ||4||

Agora, está pronta para marcar as sílabas, mas, antes, um pouco de prosódia sânscrita:

Segundo a prosódia sânscrita, uma estrofe ou padya consiste em quatro pāda-s --também conhecidos como "pada-s"-- ou quartos. Tal estrofe pode ser vṛtta (com métrica regulada pelo número e posição de sílabas --akṣara-- em cada pāda ou quarto) ou jāti (com métrica regulada pelo número de instantes silábicos --mātrā-- em cada pāda ou quarto). Esqueça-se de "jāti" aqui, pois a métrica da presente estrofe é da classe "vṛtta". Essa classe contém três subclasses: (1) samavṛtta (os quatro quartos de uma estrofe são similares), (2) ardhasamavṛtta (os quartos são similares, mas de maneira alternada) e (3) viṣama (os quatro quartos não são similares).

Bem, a atual estrofe pertence à subclasse samavṛtta (todos os quartos são similares). Essa subclasse é composta de 26 variedades, desde 1 sílaba por quarto até 26 sílabas por quarto. Por sua vez, cada variedade é dividida em subvariedades de acordo com a posição de sílabas curtas (lit. leves) e longas (lit. pesadas), etc. Dentro da variedade de 19 sílabas por quarto, Kṣemarāja escolheu a subvariedade chamada Śārdūlavikrīḍita. Existem outros dois espécimes chamados Meghavisphūrjitā (lit. o estrondo da nuvem) e Sumadhurā (lit. muito doce), todas elas dentro da variedade de 19 sílabas por quarto. Muito bem!

As sílabas são curtas ou longas porque contêm vogais curtas ou longas. As vogais curtas são: a, i, u, ṛ, ḷ. As vogais longas são longas por duas razões: (1) São naturalmente longas (ā, ī, ū, ṝ, e, ai, o, au), (2) são prosodicamente longas porque são seguidas por Anusvāra ou Visarga, ou por duas ou mais consoantes (e.g. aṁ, aḥ, antr). A última sílaba de um quarto é "sempre" curta ou longa de acordo com os requisitos da métrica, embora seja curta ou naturalmente/prosodicamente longa, isto é, os autores estão livres para usar qualquer sílaba (curta ou longa) como a última sílaba de um quarto e isso "sempre" satisfará os requisitos da métrica. Lembre-se disso!

Por sua vez, para tornar as coisas mais simples (não é brincadeira), a prosódia sânscrita toma cada série em particular de três sílabas em um quarto e lhe dá um certo nome. Esses grupos de três sílabas são conhecidos como "gaṇa-s" (não os confunda com os conhecidos gaṇa-s ou cadas utilizadas para classificar verbos) e apenas existem dessa forma em estrofes que são vṛtta (com métrica regulada pelo número e posição de sílabas --akṣara-- em cada pāda ou quarto), como o atual que estou analisando. Cada gaṇa é formado por três sílabas, mas deste modo em particular:

As três sílabas são longas ou as três sílabas são curtas ou há uma mistura (várias combinações de sílabas curtas e longas). Veja:

  1. ma: longa-longa-longa
  2. na: curta-curta-curta
  3. bha: longa-curta-curta
  4. ya: curta-longa-longa
  5. ja: curta-longa-curta
  6. ra: longa-curta-longa
  7. sa: curta-curta-longa
  8. ta: longa-longa-curta

O nome "la" é usado para designar uma sílaba curta, e o nome "ga" indica uma sílaba longa no final de um quarto. Bem, meu Deus, sim, isso foi difícil, mas, se eu não explicasse isso, você não entenderia o que direi posteriormente. Mais uma coisa, a subvariedade chamada Śārdūlavikrīḍita (escolhida pelo sábio para compor essa estrofe) segue este padrão de gaṇa em cada um dos seus quartos:

ma, sa, ja, sa, ta, ta, ga — isto é, longa-longa-longa, curta-curta-longa, curta-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa (nesse caso, a última sílaba é longa, mas lembre-se de que a última sílaba "sempre" satisfaz os requisitos da métrica, não importa se for curta ou longa, isto é, o autor está livre para utilizar uma sílaba curta ou longa no final de um quarto).

Vamos marcar as sílabas na poesia original para verificar se a estrofe (como formulada originalmente) está seguindo o padrão de gaṇa como deveria:

De-ha-prā-ṇa-su-khā-di-bhiḥ-pa-ri-mi-tā-ha-ntā-spa-daiḥ-saṁ-vṛ-ta-
ścai-ta-nyaṁ-ci-nu-te-ni-jaṁ-na-su-ma-ha-nmā-he-śva-raṁ-svaṁ-ja-naḥ|
Ma-dhye-bo-dha-su-dhā-bdhi-vi-śva-ma-bhi-ta-sta-tphe-na-pi-ṇḍo-pa-maṁ
yaḥ-pa-śye-du-pa-de-śa-ta-stu-ka-thi-taḥ-sā-kṣā-tsa-e-kaḥ-śi-vaḥ||4||

longa-longa-longa, curta-curta-longa, curta-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa
longa-longa-longa, curta-curta-longa, curta-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa
longa-longa-longa, curta-curta-longa, curta-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa
longa-longa-longa, curta-curta-longa, curta-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa

Excelente, Kṣemarāja! Evidentemente, você conhece prosódia sânscrita! (brincadeira). Bem, como você pode ver, o sábio satisfez plenamente os requisitos da métrica. De qualquer forma, quando você analisa a estrofe de um ponto de vista gramatical, nota algo estranho. Veja a primeira expressão do terceiro quarto: "Madhye bodhasudhābdhi" (No meio... o oceano do Néctar de Consciência?!). Quando você tenta traduzir, percebe que "abdhi" (oceano) NÃO está declinado adequadamente, nem no caso Genitivo (abdheḥ), nem no caso Locativo (abdhau), já que "abdhi" é um substantivo masculino terminado em "i" [Ver Declension (2)]. Como você sabe que as palavras associadas ao indeclinável "madhye" (no meio) devem estar declinadas no Genitivo em geral, e, às vezes, inclusive no Locativo, quando não estão formando um composto, você pode se perguntar o que houve ali. Simples: Se o sábio tivesse declinado a palavra corretamente no Genitivo ou Locativo (abdheḥ se tornaria abdher pela 7a Regra do Sandhi de Visarga, e abdhau continuaria igual), a frase ficaria: "Madhye bodhasudhābdher" ou "Madhye bodhasudhābdhau", e, agora, poderia ser traduzida sem nenhum problema como "No meio do oceano do Néctar da Consciência". E o pāda ou quarto ficaria assim:

Ma-dhye-bo-dha-su-dhā-bdhe-rvi-śva-ma-bhi-ta-sta-tphe-na-pi-ṇḍo-pa-maṁ
or else
Ma-dhye-bo-dha-su-dhā-bdhau-vi-śva-ma-bhi-ta-sta-tphe-na-pi-ṇḍo-pa-maṁ

Isso ficou bom do ponto de vista gramatical, mas e a satisfação dos requisitos da métrica? Vejamos:

longa-longa-longa, curta-curta-longa, longa-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa
or
longa-longa-longa, curta-curta-longa, longa-longa-curta, curta-curta-longa, longa-longa-curta, longa-longa-curta, longa

Oh não, deveria ser uma sílaba "curta"! Isso não satisfez os requisitos da métrica (nem "abdher", nem "abdhau"!). É por isso que Kṣemarāja optou por deixar a palavra "abdhi" como tal, em uma forma bruta (em um estado sem declinar ou prātipadika), da maneira como aparece a palavra "abdhi" nos dicionários. Ao fazer isso, deixa muito claro que não é um erro gramatical, e sim uma licença poética que implementou para satisfazer os requisitos da métrica Śārdūlavikrīḍita.Return 

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Informação adicional

Gabriel Pradīpaka

Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.

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