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 O Paramārthasāra (Paramarthasara) de Abhinavagupta: Estrofes 4 a 7 - pura - Shaivismo Não-dual da Caxemira

Tradução pura


 Introdução

O Paramārthasāra continua com mais quatro estrofes. Esse é o segundo conjunto de estrofes, que é composto de 4 das 105 estrofes que constituem a obra como um todo.

Obviamente, também inserirei as estrofes originais sobre as quais Yogarāja está comentando. Escreverei várias notas para que esse livro fique tão compreensível quanto possível.

Leia o Paramārthasāra e experimente Supremo Ānanda ou Divina Alegria, querido Śiva.

Este é um documento de "tradução pura", isto é, não haverá nenhum Sânscrito original, mas, às vezes, existirá uma quantidade mínima de Sânscrito transliterado na própria tradução do texto. Obviamente, não haverá nenhuma tradução palavra por palavra. De qualquer maneira, haverá Sânscrito transliterado nas notas explicativas. Se você for uma pessoa cega usando um leitor de tela e não quiser ler as notas, ou simplesmente quiser pular as notas, clique no respectivo "Pular as notas" para continuar lendo o texto.

Importante: Tudo o que está entre parênteses e em itálico dentro da tradução foi agregado por mim para completar o sentido de uma determinada frase ou oração. Por sua vez, tudo o que está dentro de um duplo hífen (-- ... --) constitui informação esclarecedora adicional também agregada por mim.


Obrigado a Paulo & Claudio que traduziram este documento do inglês/espanhol para o português brasileiro.


Ao início


 Estrofe 4

Agora, depois de construir um pedestal (mediante a descrição das) sucessivas etapas da criação (desta escritura, Abhinavagupta) faz com que o livro desça --o faz repousar sobre esse pedestal-- anunciando, por meio de um grupo de quatro ovos, que o universo (é) unicamente a expansão desse Poder, (isto é,) a Liberdade Absoluta sem igual —que é só uma— do Senhor Supremo, que é a Causa ou Agente do Estado de Fazedor com referência a uniões (e) separações nesse mundo variegado com todas as variedades1 :


Por causa da abundância de Glória e Magnificência (presente) no Seu Poder, esse grupo de quatro ovos (é) manifestado separadamente pelo Senhor: "Śakti, Māyā, Prakṛti e Pṛthvī"||4||


Esse grupo de quatro ovos, que é uma massa arredondada de substância formando um envoltório (e) ocultando o universo, (é manifestado) por Prabhu, o Livre e Afortunado, o Grande Senhor que é uma compacta massa de Consciência (e) Bem-aventurança. Essa (verdade também foi) expressa (aqui):

"... Diz-se que um ovo (é) uma massa arredondada de substância."2 

(O termo) "prabhāvita" (na estrofe) é usado (no sentido de) "prakāśita" --manifesto, exibido-- ou como o estado de fazedor do ato de se tornar3 . A partir de onde? (Abhinavagupta) disse assim: "Por causa da abundância de Glória e Magnificência (presentes) em Seu próprio Poder". (A resposta é então:) "A partir disso", (ou seja, a partir de) "bhara", que (é) abundância desse "vaibhava" --Glória e Magnificência--, o qual (é) uma multicolorida --múltipla-- Expansão dessa multidão de poderes que é especial (e) que começa com (o Poder de) Vontade. (Tal multidão de poderes é) "nija" (ou) Sua. O desenvolvimento (ou) expansão do Seu Poder —(do Poder) do Afortunado— (é) verdadeiramente a criação do mundo4 . Esse (mesmo ensinamento) foi declarado na venerável escritura Sarvamaṅgalātantra:

"Diz-se que há somente duas categorias, (ou seja,) Śakti --Poder-- e o Possuidor de Śakti. O Possuidor de Śakti (é) o Grande Senhor, certamente --Śiva--, (e) Suas śakti-s ou poderes --os múltiplos aspectos assumidos por Śakti-- (são) o mundo inteiro."

Qual (é) a forma (disso que) se chama "o grupo de quatro ovos?". (Abhinavagupta) disse assim: "Śakti, Māyā, Prakṛti e Pṛthvī". Diz-se que "O ovo de Śakti" (é) Śakti, a qual (é) a Senhora do Senhor Supremo, cuja função é a negação do universo formado por conhecedores (e) cognoscíveis --objetos--, ainda que ele --o universo-- seja a essência do Deleite da Mais Alta consciência do Eu. (Dessa forma,) Ela Própria, ao ser akhyāti ou ignorância que esconde a natureza essencial do Ser --o Senhor Supremo--, (fica dotada) de uma condição que produz ocultação (e) escravidão. O fragmento ou porção delimitado pelos tattva-s ou categorias Sadāśiva, Īśvara (e) Śuddhavidyā, (isto é, o ovo de Śakti), forma um embrião com Sat (ou os restantes) três ovos —os quais serão discutidos depois— completamente dentro (dele). Dessa forma, como Ela tem a forma de um envoltório, essa Śakti é nomeada mediante essa palavra, (ou seja, ovo de Śakti). Nesse ovo, Sadāśiva e Īśvara (são) os regentes5 .

E o outro "ovo chamado Māyā" diz-se que é um fragmento (que começa com Māyātattva e) termina em Puruṣatattva, cuja natureza é os três mala-s ou impurezas, que consiste em engano, caracterizado por uma propensão somente à dualidade, (e) cuja forma é escravidão de todos os experimentadores ou conhecedores. Esse (ovo de Māyā) se apropria --torna seus-- dos (restantes) dois ovos —que serão discutidos mais adiante—, (os quais permanecem) completamente dentro (dele). E o regente do ovo aqui (é) o Rudra cujo nome (é) Gahana6 .

Da mesma forma, Prakṛti, composta de Sattva, Rajas (e) Tamas, é transformada em efeitos/produtos e sentidos. O "ovo denominado Prakṛti" diz-se que é aquilo que constitui (todos os) objetos de desfrute dos experimentadores (conhecidos como) paśu-s ou animais --indivíduos limitados-- ; (e, como esse ovo está dotado) de uma natureza (que consiste em) prazer, dor (e) engano, (ele) ata ou amarra. Ali --no ovo de Prakṛti--, o venerável Senhor Viṣṇu, que possui um grande poder (e) no qual prevalece o dualismo, (é) o regente do ovo7 .

E dessa forma, similarmente, Pṛthvī, que consiste em (distintas) espécies de experimentadores que terminam em vegetais (e) humanos, sendo uma concha bruta, ata ou amarra. Tendo assim considerado, diz-se que (este) é "o ovo Pṛthvī". Ali --no ovo Pṛthvī--, "o Senhor Brahmā", sendo preeminente na criação de seres que aparece de quatorze modos --isto é, nos quatorze mundos materiais--, (é) o regente do ovo. De tal maneira, esse grupo de quatro ovos desenvolvido pelo Senhor Supremo repentinamente aparece (completamente) manifestado dessa forma pelo Afortunado --o mesmo Senhor Supremo--8 ||4||

Pular as notas

1  Yogarāja está descrevendo poeticamente a chegada da 4a estrofe. Ele disse que Abhinavagupta primeiramente construiu um pedestal na forma das estrofes 2 e 3, que contêm as sucessivas etapas da criação dessa escritura. Depois de fazer isso, Abhinavagupta faz o livro descer, faz com que o livro repouse sobre esse pedestal, isto é, começa a ensinar filosofia Trika em profundidade. A partida começou e a bola está rolando no campo! O sábio inicia a sua exposição de Trika anunciando, mediante um grupo de quatro ovos, que o universo é somente a expansão do Svātantrya do Senhor Supremo (Sua Liberdade Absoluta). Svātantrya é outro nome de Śakti (o Poder do Ser), que é a Causa ou Agente de Kartṛtva (o Estado de Fazedor), pois Śakti é sempre a verdadeira Fazedora. Nenhum desses indivíduos limitados que andam por aí está fazendo absolutamente nada, mas sim tudo o que está sendo feito é levado a cabo por Śakti. E esse Poder do Ser, esse Poder do Senhor Supremo, gosta de produzir uniões e separações nesse mundo variegado com tom todas as variedades. Você pode encontrar os significados de diversos epítetos de Śakti na nota 10 da Parāprāveśikā.

Em suma, Śakti é propensa aos atos de unir e separar enquanto Ela produz uma completa manifestação cheia de variedades multicoloridas. Não acredita em mim? Olhe ao redor. Se o leitor pensar que Śakti não é "o seu próprio Poder", ele está tendo a atitude errada enquanto lê esta escritura. Tudo o que está escrito no Paramārthasāra tem a ver com Você, leitor, e os Jogos do seu próprio Poder. Ler essa escritura sem uma atitude de unidade com o Senhor Supremo não produzirá nenhum fruto, porque essa mesma onipresente e miserável dualidade estará novamente presente. A dualidade nunca vai a nenhum lugar, já que a Verdade Suprema é a Luz do Supremo Não Dualismo. Você é o Senhor lendo sobre a Sua natureza essencial e os Jogos da Sua Śakti, e não de outra forma. Se o leitor traz constantemente dualidade entre ele e o Senhor Supremo à sua leitura, não compreenderá jamais o Paramārthasāra. A mesma declaração é verdade com referência ao estudo de qualquer outra escritura de Trika, obviamente. A libertação final não pode ser alcançada se a pessoa não se identificar com o Senhor Supremo.Return 

2  Prabhu significa "Senhor". Nesse contexto, esse termo é utilizado para designar o Mais Alto Senhor, obviamente, que é uma massa compacta de Consciência (Śiva) e Bem-aventurança (Śakti). Ele também é chamado de o Afortunado porque está repleto de tudo o que é realmente Auspicioso. Esses quatro ovos são massas arredondadas de substância. De acordo com o meu conhecimento atual sobre Trika, o ensinamento sobre os quatro novos não foi dado por Abhinavagupta em nenhuma outra escritura além desta. Como explicarei posteriormente, os âmbitos desses ovos coincidem com os das últimas quatro Kalā-s ou Poderes Primordiais. Esses Poderes Primordiais são como "Recipientes" nos quais toda a manifestação universal está armazenada em porções. Foi indicado que os ovos são "massas arredondadas de substância" e, portanto, não se pode identificá-los com as últimas quatro Kalā-s diretamente, já que os Poderes não são "substância". Abhinavagupta não falará nem um pouco sobre Kalā-s aqui, mas a conexão parece muito óbvia. As últimas quatro Kalā-s agem como Recipientes para grupos inteiros de tattva-s, exactamente como os ovos, mas estes últimos parecem ser produtos desses Kalā-s, embora Abhinavagupta não tenha mencionado isso explicitamente.Return 

3  O termo prabhāvita geralmente significa prakāśita ou manifestado, exibido. Mas aqui, Yogarāja dá um significado adicional: "bhavanakartṛtayā" (lit. "como bhavanakartṛtā"). O que é essa bhavanakartṛtā? Traduzi-a como: "o estado de fazedor do ato de se tornar ". O estado de fazedor ou kartṛtā significa "o estado de ser o agente ou fazedor de uma ação". Toda essa terminologia provém do sábio Utpaladeva, que escreveu "सत्ता भवत्ता भवनकर्तृता - Sattā bhavattā bhavanakartṛtā - A Existência é o estado Daquele que se torna, (ou seja,) o estado de fazedor do ato de se tornar. Sattā é um epíteto de Śakti (a possuidora de kartṛtā ou kartṛtva --as duas palavras são sinônimas--, tal como indiquei na primeira nota acima). Ela é a verdadeira Fazedora do universo, ou, mais tecnicamente falando, Ela é a origem do śakticakra (grupo de poderes), o qual leva a cabo o processo de manifestação indicado na terceira nota da estrofe 1. Abhinavagupta, no seu primeiro comentário sobre a Īśvarapratyabhijñā de Utpaladeva, que é conhecida como Īśvarapratyabhijñāvimarśinī, estabeleceu em 1.5.14 dessa escritura: "सत्ता च भवनकर्तृता सर्वक्रियासु स्वातन्त्र्यम्। - Sattā ca bhavanakartṛtā sarvakriyāsu svātantryam| - E a Existência (é) o estado de fazedor do ato de se tornar, (ou seja,) a Liberdade Absoluta com relação a todas as atividades". Em outras palavras, o termo bhavanakartṛtā (o estado de fazedor do ato de se tornar) não é nada mais que a Liberdade Absoluta (Svātantrya), ou seja, Śakti.

O significado de prabhāvita é, então, segundo Yogarāja, não somente "manifestado" (o grupo de quatro ovos que "se tornou", que "foi exibido"), mas também o agente de tal manifestação, isto é, Śakti (o Poder do Senhor). Isso é assim porque, em Trika, aquilo que foi manifestado não é distinto Daquele que o manifestou. Os quatro ovos não devem ser vistos como "criações" de um Poder, mas sim como as formas que esse Poder assume. No caso de um oleiro (ceramista) fazendo um fazendo um vaso, o oleiro e o vaso permanecem separados, mas isso não é verdade no caso de Śakti e os dois ovos. NÃO. Ela é tanto a agente ou fazedora desses quatro ovos quanto Ela é os próprios ovos. Na realidade, tecnicamente falando, não é Ela mesma, e sim as Suas emanações que aparecem como o célebre śakticakra. Por quê? Porque Śakti é imutável como o próprio Śiva, e, consequentemente não se afasta nem mesmo um milímetro do Seu Possuidor ou Dono. Portanto, nenhum dos dois assumiu formas diferentes, e sim é o grupo de poderes emanado da própria Śakti que assume todas as formas do universo. Dessa maneira, tanto Śiva como Śakti nunca "se tornam" nada, já que Eles são o imutável "EU SOU".Return 

4  De onde é exibido ou manifestado o grupo de quatro ovos? Depois de citar o que Abhinavagupta expressou na estrofe em si, Yogarāja disse: "A partir disso", em suma, a partir do śakticakra ou grupo de poderes emanado de Śakti. Esses poderes são sempre mencionados como "Gloriosos" (leia o comentário sobre o primeiro aforismo do Spandanirṇaya). Isso é o que Abhinavagupta quis dizer com "a abundância de Glória e Magnificência presentes em Seu próprio Poder". O termo "vaibhava" (Glória e Magnificência) é exibido como uma multicolorida Expansão dessa multidão de poderes, que é especial e começa com o Poder de Vontade. O śakticakra é realmente uma multicolorida ou múltipla Expansão ou Emanação a partir da própria Śakti, como já lhe expliquei. O Poder de Vontade é o primeiro poder do śakticakra e aparece junto com o tattva 3 (Sadāśiva). Como a Śakti é Sua, do Afortunado, do Senhor Supremo, o śakticakra inteiro também é Seu. Esse śakticakra ou Expansão/Desenvolvimento de Śakti constitui o universo, o qual é mencionado por Yogarāja como "a criação do mundo". Śakti não é diretamente o universo, mas sim é o universo através dos Seus poderes. A Śakti (consciência do Eu) nunca abandona o Seu Senhor Śivá, nem mesmo pelo mais curto instante.Return 

5  Os quatro ovos se chamam Śakti, Māyā, Prakṛti e Pṛthvī. O primeiro ovo é o ovo de Śakti, cujo âmbito é os tattva-s ou categorias 3 a 5 (Sadāśiva, Īśvara e Śuddhavidyā --também denominada Sadvidyā--). Esse âmbito coincide com o da Kalā que se chama Śānti ou Śāntā. A função de Śakti é, nesse contexto, a negação ou "isolamento" do universo, formado por conhecedores e objetos, do Supremo Senhor Śiva. À medida que esse universo é "extraído" e "isolado" de Śiva por Śakti, Ela "nega" a divina natureza do universo, e este se transforma em "outra coisa" além de Śiva. É nesse sentido que Ela é akhyāti ou ignorância que esconde a natureza essencial do Senhor Supremo, pois Ela mostra um universo distinto do seu próprio Senhor! Isso é mera aparência, obviamente, porque o universo é constantemente a essência do Deleite da Mais alta consciência do Eu, mas o Senhor começa a acreditar, devido à influência Dela, que o universo é diferente Dele. Essa é a Pior Auto-Fraude que já se viu!... a aqui está ela, diante dos seus próprios olhos. Olhe os objetos e pessoas ao seu redor. Todos eles parecem ser "diferentes" de Você! Esse surgimento de dualidade e aparente "queda" do Senhor a partir do Seu Mais Alto Estado até o estado de um indivíduo limitado foi iniciado primeiramente por Śakti quando Ela extraiu o universo de Você e negou que o universo é Você Mesmo aparecendo nessa forma. Essa é a Auto-Fraude! Agora, o indivíduo limitado (Śiva depois de ter virado vítima da Sua Fraude) está imerso na miséria. E, se ele for um aspirante espiritual, a sua única saída a essa miséria é um reconhecimento da sua própria natureza essencial, que é divina e é uma com o Mais Alto Senhor. Isso levará, por último, a reconhecer que o próprio universo é certamente uma expansão dos próprios poderes e não algo que existe além de Si Mesmo (o Senhor Supremo), como a fraudulenta Śakti insiste em mostrar-lhe.

Isso não é uma mera Fraude, e sim uma Auto-Fraude, porque Śakti nunca é distinta e separada de Śiva. Ela não é um agente externo enganando Śiva, mas sim Ela é o Seu próprio Poder convencendo-O, o Ser Imutável, de que atravessou mutação e que experimentou uma queda da Sua sempre presente e divina natureza essencial. O que você chama "o mundo" não é realmente o mundo, mas a Sua Auto-Fraude! Quem são esses pais se o Senhor Supremo é Aja ou Não Nascido? Quem são essas pessoas ao redor se o Senhor Supremo é Eka ou Um, ou seja, Solitário? O que são esses três estados de consciência designados como vigília, sono e sono profundo se o Senhor Supremo nunca está cansado e, como consequência, nunca precisa de um descanso? Quem são esses que vêm celebrar o aniversário de Nityātmā, o Ser Eterno? Quem é esse que viaja de um lugar a outro se o Senhor Supremo é Acala ou completamente imóvel, pois permeia tudo? Você não tem pais, nem país, nem estados que não sejam o Seu próprio Estado Supremo, nem aniversário, nem movimento, e por aí vai. Todas essas coisas que Você parece ter são as fraudulentas invenções do Seu próprio Poder por meio do Seu śakticakra ou grupo de poderes. A Auto-Fraude começa com esse primeiro ovo (o ovo de Śakti), onde Você sente que o universo é distinto de Você. Você mantém unidade com ele de qualquer forma, porque essa é a primeira fase da Auto-Fraude. Essa primeira fase ainda é "divina", porque o universo é percebido como diferente de Você, mas não como separado de Você, isto é, existe dualidade e unidade ao mesmo tempo. É bhedābheda ou unidade (abheda) na diversidade (bheda), isto é, uma mistura de não dualismo e dualismo. Em Śiva-Śakti (tattva-s 1 e 2), há somente abheda ou unidade, e, nos tattva-s 6 a 36, há somente bheda ou dualidade.

Com a chegada dos restantes três ovos fraudulentos (Māyā, Prakṛti e Pṛthvī eggs), denominados Sat (Ser, isto é, "tudo o que existe") por Yogarāja porque o seu âmbito é os tattva-s 6 a 36 (leia as notas 47 e 48 e o respectivo texto a elas relacionado na Parāprāveśikā), a Fraude estará completa e Você perderá inclusive essa experiência de unidade que tinha com o ovo de Śakti. Após ter sido enganado pelos Seus próprios Poderes, a sua Meta é, agora, recuperar a sua natureza essencial divina perdida, que, paradoxalmente, nunca foi perdida. Tudo isso foi apenas uma Auto-Fraude!

Os regentes ou deidades que presidem no caso desse primeiro ovo que começa o processo de escravidão são Sadāśiva e Īśvara, geralmente conhecidos como Sadāśivabhaṭṭāraka e Īśvarabhaṭṭāraka, onde o termo bhaṭṭāraka é adicionado aos nomes para mostrar grande respeito e veneração. Esses dois regentes residem nos tattva-s Sadāśiva e Īśvara, respectivamente.Return 

6  O ovo de Māyā é um fragmento ou pedaço da manifestação universal cujo âmbito é os tattva-s 6 a 12 (de Māyā-tattva até Puruṣa-tattva; leia Trika 4 e Trika 5 para mais informação). O âmbito desse ovo coincide com o da Kalā chamada Vidyā. Esse ovo coloca um véu sobre a própria natureza essencial e exibe dualidade no seu lugar. Surgiu exclusivamente para a disseminação de dualidade na forma de múltiplos conhecedores e cognoscíveis (sujeitos e objetos), quando, na realidade, existe apenas um Ser que permanece constantemente no Seu divino Estado de "Eu Sou". Este ovo é o campo do engano que aparece como os três mala-s ou impurezas chamadas Āṇavamala, Māyīyamala e Kārmamala. A primeira impureza torna Você, o Mais Pleno, não completamente pleno e perfeito; a segunda impureza dissemina diferença ou dualidade entre Você e a multidão de sujeitos e objetos que formam o universo; finalmente, a última impureza não é nada mais que as vāsanā-s ou tendências (agindo como vasilhas) que se transformarão em saṁskāra-s ou latências (impressões derivadas de ações, que se acumulam nesse ovo) plenamente desenvolvidos quando se despeja sobre elas karmāśaya ou o conteúdo kármico (através de boas e más ações); (explico esse estranho tópico em FAQ 1-Meditação, quando descrevo o corpo causal). Não obstante, os dois últimos mala-s ou impurezas impactarão a você completamente quando os restantes dois ovos, contidos no ovo de Māyā, passarem a existir. Isso marcará o ponto mais alto da sua aparente moradia no campo da limitação.

Puruṣa (tattva 12), geralmente designado como "alma individual", é o próprio Śiva (Você!), mas processado pelo ovo de Māyā, o que é realmente desafortunado. Dessa forma, o que a maioria das pessoas considera como "ótimo" é terrível para alguém que quer alcançar libertação final de toda essa miséria. O processo de libertação final ou iluminação espiritual culminará no reconhecimento de que tudo isso é a essência do Supremo Deleite, entretanto, todos os últimos três ovos são infernais para alguém que ainda permanece em escravidão. Isso é completamente verdadeiro, mas, se o leitor não acreditar em mim e não for valente o suficiente para refletir sobre o que foi e é a sua vida (não estou brincando), pode ligar a televisão e olhar a infelicidade e tolice de outros. Como eu conheço esses ovos plenamente, mesmo se o leitor viver em outra parte da galáxia, sei perfeitamente que ele estará sofrendo, inclusive em meio a prazeres. Nenhum indivíduo limitado pode desfrutar de Verdadeira Felicidade se ainda continuar sob o domínio de todos esses ovos, especialmente os três últimos. Essa insanidade denominada "escravidão" é fabricada por esses três últimos e miseráveis ovos que começam com o de Māyā.

O regente desse ovo é Gahana (o impenetrável), que, segundo as minhas explorações no meu próprio Ser, é Durga (o Rudra mencionado pelo Mālinīvijayatantra na lista de 50 Rudra-s que dei na nota 10 da primeira estrofe). A consorte desse Rudra ou ser libertado que preside o atual ovo é a Rudrāṇī chamada Durgā (a conhecida deusa). O que estou dizendo sobre Gahana ser Durga ainda não foi escrito em nenhum lugar. É só um conhecimento que emerge da minha própria experiência espiritual.Return 

7  O ovo de Prakṛti é um fragmento ou um pedaço da manifestação universal cujo âmbito é os tattva-s 13 a 35 (do Prakṛti-tattva até o Āpas-tattva; ler Trika 5 e Trika 6 para mais informação). O âmbito desse ovo coincide com o da Kalā chamada Pratiṣṭhā. Prakṛti, como o tattva 13, é composto de três modalidades (guṇa-s): Sattva, Rajas e Tamas, chamadas por Yogarāja de prazer, dor e engano, respectivamente. O engano está em uma pessoa acreditar que, por meio do prazer, será livrado da dor. Na realidade, o prazer conduz à dor com muita frequência. Tal é o engano levado a cabo por esse ovo. Além disso, Prakṛti gera efeitos ou produtos em conjunto com os sentidos para desfrutar de tais produtos. Por exemplo: Objetos de desfrute junto com os respectivos órgãos dos sentidos para que eles percebam e desfrutem de tais produtos. Todo esse processo de prazer, dor e engano não leva a lugar nenhum, como se pode facilmente inferir. Não há dúvidas de que esse ovo é uma fonte de constante dor direta ou indiretamente (disfarçada como prazer). Os que viram presas desse ovo se denominam paśu-s ou animais. O sábio não está se referindo aos "verdadeiros animais", mas sim aos "aparentes" seres humanos que se comportam como animais. As pessoas em escravidão, tomadas por todas essas limitações, são geralmente designadas como paśu-s por muitas razões, mas as três principais são:

1) A sua felicidade está à mercê de tudo o que está dentro (pensamentos, emoções, etc.) e fora (objetos externos, outras pessoas, etc.). Não têm Felicidade autônoma, mas sim a sua alegria sempre depende de todas essas coisas; 2) Mordem os seus salvadores. Assim como um animal selvagem muito frequentemente atacará quem tentar salvá-lo, esses animais que portam a etiqueta de "seres humanos" geralmente tentam destruir os seus libertadores. Não querem libertação final da escravidão, mas sim querem continuar desfrutando de todos esses objetos de desfrute exibidos pelo miserável ovo de Prakṛti. Os Guru-s genuínos não tentarão salvá-los, pelo menos não diretamente, para que esses animais não o mordam durante o processo. Tais animais devem primeiro tornar-se aspirantes espirituais (um tipo especial de animal) e, depois disso, qualificar como discípulos (quase seres humanos) para que os Guru-s verdadeiros possam finalmente salvá-los; 3) Como consequênia das duas características anteriores, esses paśu-s ou animais não vão a nenhum lugar, porque ir "a algum lugar" significa ir em direção à libertação final, e não a mais e mais escravidão.

Os seres humanos (os verdadeiros) não são como esses paśu-s, evidentemente. Os verdadeiros seres humanos se chamam santos, libertados, etc. O resto das pessoas não são verdadeiros seres humanos, mas animais ignorantemente alegando ser o que não são. Isso é muito difícil de engolir para a maioria das pessoas, mas os fatos falam por si mesmos. Pegue um livro que fale sobre história humana e verá o que quero dizer. Na verdade, esse não é um argumento meu, porque o termo paśu (animal, besta) designando quase toda a humanidade não é invenção minha. É usado com muita frequência para descrever todas essas pessoas dotadas das três principais características que lhe expliquei antes.

O regente ou deidade que preside esse ovo é o Senhor Viṣṇu, aquele que possui grande poder (mahā-vibhūti). A palavra "vibhūti" significa "poder", mas especialmente o de natureza sobrenatural. Em outras palavras: Poderes sobrenaturais. Todos esses poderes são uma obstrução no próprio caminho até a libertação final e devem ser abandonados, e nunca tocados nem mesmo por uma vara longa. Yogarāja especifica que, em Viṣṇu, prevalece o dualismo. Portanto, o Senhor Viṣṇu não é outorgador de libertação final. Não preciso ler isso para saber essa verdade, de qualquer forma, porque tive uma experiência direta com o Senhor Viṣṇu. Ele vive em um mundo onde a alegria é absolutamente colossal, rodeado por mulheres que cantam com tal devoção que o seu coração é rasgado pelo som. Lembro-me das suas bocas abertas sobre as pontes, cantando os nomes de Viṣṇu. A própria figura do Senhor Viṣṇu é totalmente impressionante, vestido com roupas majestosas. Contudo, ele nunca me deu libertação final. Devoção, ir a mundos superiores, estar na presença de Viṣṇu, todas essas coisas nunca darão iluminação espiritual. Estou completamente seguro disso, porque estive ali em pessoa. Não estou promovendo sectarismo na forma de Viṣṇu vs. Śiva, mas tenho experiência direta de ambas as realidades. O que concede libertação final é Śiva, e não Viṣṇu. Não estou falando sobre o Śiva védico (ou, melhor dizendo, o Śiva purânico), aquele que é um asceta que vive em uma caverna e senta sobre uma pele de tigre, etc. NÃO. Estou falando sobre o Śiva tântrico, que é a Luz do Supremo Não Dualismo, o Senhor dos senhores, que está além de espaço/tempo e não pode nem mesmo ser delineado em pensamento. Esse é o verdadeiro Outorgador de libertação final, e não Viṣṇu ou qualquer outra deidade que só atua como regente. Estou falando a verdade. As pessoas podem continuar a adorar qualquer deidade, inclusive a menor delas, mas isso não significa que se tornarão plenamente libertados da escravidão. Além disso, Viṣṇu está imerso em dualismo, e nenhuma libertação final será verdadeira libertação final se o dualismo continuar a continuar, porque o dualismo sempre está relacionado com a escravidão de uma maneira ou outra. Inclusive nos tattva-s 3 a 5 (o ovo de Śakti), existe um muito sutil dualismo, na medida em que Śakti extraiu o universo a partir de Śiva, embora também haja uma unidade subjacente.

O processo de libertação final deve proceder corretamente através do conhecimento indicado na filosofia Trika. No ponto culminante desse processo, toda a dualidade desaparece, mesmo a que reside no ovo de Śakti, porque "se você vir outro você, sentirá medo", isto é, no reino da dualidade, você sempre estará em escravidão, não importa o quão leve seja essa escravidão. Deve-se reconhecer que "você mesmo" é a Luz do Supremo Não Dualismo repleto de Liberdade Absoluta. Essa obtenção da Sua Liberdade Absoluta marca o final da escravidão de uma vez por todas. Como é óbvio, todos esses processos não podem acontecer em dualidade, ou seja, sentindo que você e o Senhor não são a mesma coisa. Portanto, segundo o conhecimento exibido nessa escritura junto com a minha experiência direta sobre esses temas, posso afirmar que somente Śiva concede libertação final, e não Viṣṇu. Repito: Isso não é sectarismo, mas sim o fruto de uma verdadeira experiência de libertação apoiada pelos ensinamentos dessa escritura.Return 

8  Como é óbvio, esses dois termos, Pṛthvī e Pṛthivī, são sinônimos e o seu significado é "terra". Nesse caso, o elemento terra ou o tattva 36. Geralmente uso Pṛthivī nos meus escritos, mas, aqui, Abhinavagupta usou a variante Pṛthvī (para mais informação, leia Trika 6). O âmbito desse ovo coincide o da Kalā chamada Nivṛtti. Mais adiante, será ensinado que, em cada um dos tattva-s, existem todos os tattva-s, e isso é especialmente verdadeiro com relação ao último tattva denominado Pṛthvī. No ovo de Pṛthvī, residem os quatorze mundos materiais presididos pelo Senhor Brahmā. É por isso que esse ovo está cheio de diferentes espécies de experimentadores que terminam em vegetais e humanos. É uma concha bruta, um ovo bruto que, obviamente, ata ou amarra. Existem seres sobre-humanos que moram nesse ovo, mas nenhum deles está totalmente libertado, porque ainda estão em escravidão, incluindo o próprio regente Brahmā.

Agora, uma lista dos quatorze mundos materiais, desde o mais elevado até o mais baixo. A minha descrição é baseada principalmente na narração do sábio Vyāsa enquanto comenta sobre Pātañjalayogasūtra-s III.26 no seu Sāṅkhyapravacanasūtra:

  1. Brahmaloka ou Satyaloka — O mundo onde Brahmā, o regente do ovo Pṛthvī composto dos quatorze mundos materiais, mora. Existem quatro tipos de deuses aqui: Acyuta-s, Śuddhanivāsa-s, Satyābha-s e Sañjñāsañjñī-s. Esses deuses vivem em camadas, um sobre o outro, não em residências. Cada um deles desfruta de diferentes tipos de alegria.
  2. Tapoloka ou Taparloka — Aqui, existem três tipos de deuses: Ābhāsvara-s, Mahābhāsvara-s e Satyamahābhāsvara-s. Vivem da meditação e sabem tudo o que está acontecendo em regiões embaixo e em cima da sua.
  3. Janaloka — Há quatro tipos de deuses aqui: Brahmapurohita-s, Brahmakāyika-s, Brahmamahākāyika-s e Amara-s. Têm completo domínio sobre os elementos e os órgãos. Em geral, todos esses três mundos superiores que pertencem à esfera de Brahmā contêm deuses com tais poderes.
  4. Maharloka — Essa é a região de Prājapatya (a região dos Prajāpati-s, os senhores dos seres vivos). Existem cinco grupos de deidades aqui: Kumuda-s, Ṛbhu-s, Pratardana-s, Añjanābha-s e Pracitābha-s. Como sempre, não precisam de alimento salvo a meditação. Também têm domínio sobre os elementos brutos (terra, água, fogo, ar e éter).
  5. Svarloka — O céu. Como esse mundo tem cinco planos, sendo Mahendraloka (o mundo do grande Indra, o regente de Svarloka) o principal deles, às vezes Svarloka é designado simplesmente como Mahendraloka. A propósito, no Mahendraloka, dentro do Svarloka, há seis tipos de deidades: Tridaśa-s, Agniṣvātta-s, Yāmya-s, Tuṣita-s, Aparinirmitavaśavartī-s e Parinirmitavaśavartī-s. Essas deidades têm os desejos cumpridos instantaneamente e têm vários poderes sobrenaturais.
  6. Bhuvarloka — Também conhecido como Antarīkṣa (a atmosfera), onde vive uma imensa quantidade de deidades. Todas elas estão um pouco acima dos seres humanos. Não são muito interessantes, mas a maioria dos aspirantes fica espantada quando algumas delas aparecem nas suas meditações.
  7. Bhūrloka — O termo significa literalmente "mundo terreno", mas, na verdade, é uma grande região etérea anexada a esta terra, desde a colina Sumeru, onde moram certas deidades, até a própria terra, denominada Vasumatī. Ah sim, isso é complexo, porque, para explicar-lhe isso completamente, teria que incluir toda a descrição de Vyāsa aqui, o que não só inclui colinas como também ilhas, montes, jardins, etc. Fique calmo, então!
  8. Os sete mundos inferiores — Esses não são os seis infernos (naraka-s), e sim os sete mundos inferiores (geralmente conhecidos como pātāla-s)... outra longa história que contarei a você algum dia. Esses mundos inferiores estão localizados na porção inferior de Bhūrloka, e é por isso que às vezes se fala de somente 7 mundos, e não de 14. Os nomes dos mundos inferiores são: Mahātala, Rasātala, Atala, Sutala, Vitala, Talātala and Pātāla. Os seres que moram nesses miseráveis mundos sofrem, especialmente porque têm órgãos de percepção, mas, por estarem com os seus poderes extremamente restritos, nunca podem cumprir os seus desejos. Nesse sentido, a terra poderia ser considerada como um quase-inferno para pessoas que experimentam um karma horrível, você sabe.

Muito bem, isso é suficiente. Todos esses 14 mundos, do meu ponto de vista, não valem nem um centavo. Nenhum aspirante espiritual sério em busca da libertação final deveria estar interessado neles. Não importa o quão impressionante possa parecer inclusive Brahmaloka, ainda é um mundo material que sofrerá destruição mais cedo ou mais tarde, isto é, esses 14 mundos não são eternos como o Ser Supremo. A libertação final tem a ver com dar-se conta do eterno Senhor Supremo, e não com todos esses mundos tolos que residem em um ovo tolo chamado Pṛthvī, tenho total certeza disso. Embora uma pessoa terá que viajar a algum ou a todos os 14 durante o seu caminho espiritual, o convite por parte de seres celestiais que moram nesses mundos nunca deveria ser aceito. Isso não é invenção minha, mas sim uma instrução que foi estabelecida pelo próprio Patañjali em seu Yogasūtra-s III.51. Os resultados indesejáveis têm a ver com esquecer que a libertação final não é ir a nenhum mundo, ou inclusive desfrutar de coisas celestiais ou poderes sobrenaturais, mas sim alcançar a Sua Liberdade Absoluta. Quando se alcança Isso, não se viaja a nenhum lugar, não se quer ver nada, e por aí vai. Só se desfruta de Paz e Bem-aventurança que estão além do entendimento humano. O verdadeiro discípulo quer Isso, e não ir a esses 14 miseráveis mundos que estão sob o domínio da mãe morte.

Se essa é a minha opinião sobre esses 14 mundos materiais como um todo, então você já conhece a minha opinião sobre esse pequeno mundo chamado terra, que está tão baixo na escala da criação. Sim, tudo nesta manifestação universal é o Ser em última análise, incluindo o mais imundo verme que rasteja em algum lugar, mas também existe uma hierarquia. Nenhuma das coisas e nenhum dos seres contidos nesses quatro ovos lhe dará libertação final. Aquele que não está atado por nenhum desses quatro ovos é o Outorgador da libertação final. Seu nome é: Paramaśiva, o Supremo Śiva. Toda a gama de deidades, deuses, regentes, etc. é uma emanação da Sua Luz e Absoluta Liberdade, não há dúvida sobre isso!Return 

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 Estrofe 5

Dessa maneira, depois de expor sobre esse grupo de quatro ovos, (Abhinavagupta), aqui --na quinta estrofe--, determinado a explicar o estado de desfrutador e objeto de desfrute, expressou um aforismo --lit. uma concisa declaração em verso-- para definir a natureza do universo:


Ali dentro --no grupo de quatro ovos--, este universo, que é um múltiplo (e) contínuo fluxo de mundos, órgãos dos sentidos (e) corpos, (existe). E nisso --no universo--, somente Śiva, tendo assumido o estado de um indivíduo limitado --lit. animal, besta-- (na forma de) um ser encarnado, (é) o Desfrutador||5||


"Tatrāntar" --ali dentro--, (isto é,) dentro desses quatro ovos que são bem conhecidos a partir dos Āgama-s ou Escrituras Reveladas, este universo existe1 . De que tipo (é ele)? --como é esse universo?-- — (Abhinavagupta) disse assim (na estrofe): "Múltiplo". As distintas variedades de Rudra --seres liberados-- (e) seres limitados têm tanu-s --lit. corpos-- dispostos com múltiplas bocas, mãos, pés, etc., (ou seja,) têm formas que são extraordinárias devido à (sua) particular aparência. Da mesma forma, por causa das diferenças mútuas, eles --seres libertados e limitados-- têm órgãos sensoriais superiores tais como olhos, etc. Por exemplo: Os inigualáveis (órgãos sensoriais) dos experimentadores Rudra possuem uma quantidade de bons atributos (tais como) onisciência, etc. Por meio desses (órgãos sensoriais), certamente, tudo isso --qualquer coisa-- é conhecida em um instante simultaneamente, e cumprida ou levada a cabo (em um instante simultaneamente também)2 . No entanto, esses órgãos sensoriais dos seres limitados, sendo restritos pela niyatiśakti do Senhor Supremo, são capazes apenas de produzir conhecimento sobre meras coisas (tais como) um vaso, etc.3 . (Em suma,) tudo --ou seja, qualquer coisa-- não é nem conhecido e nem cumprido por esses (órgãos sensoriais). Inclusive nesse caso, (existe) a proeminência ou superioridade dos órgãos dos sentidos dos Yogī-s, isto é, indo além da niyatiśakti, mesmo algo ou alguém que esteja situado em um lugar remoto (ou) que permaneça oculto a uma grande distância é definido com precisão pelos seus órgãos sensoriais, e também o prazer, a dor, etc. presentes em outros experimentadores são conhecidos (por eles --por tais sentidos--)4 .

De forma similar, mesmo no caso dos animais, embora eles estejam contraídos ou limitados pela niyatiśakti, existe superioridade dos (seus) órgãos sensoriais, inclusive em relação aos dos seres humanos. Por exemplo: "Vacas vêem a própria casa --o estábulo-- ainda que ela esteja escondida da vista; cavalos vêem o caminho inclusive à noite; abutres vêem a presa mesmo que esteja localizada a cem yojana-s --1440 km (se um yojana for igual a 14.4 km), ou ainda, sendo mais conservadores, 400 km (se um yojana for igual a 4 km)--; aves, moscas, (e) inclusive (os próprios) mosquitos, (todos eles) são vistos vagando através do céu; cobras percorrem (o seu) caminho (se arrastando) com o peito (pelo chão), e ouvem sons com a vista; (e) camelos tiram uma serpente da (sua) caverna, mesmo de longe, apenas por meio da (sua) respiração". Dessa forma, deve-se notar e inferir a multiplicidade com referência aos órgãos sensoriais em todos os lugares. Da mesma forma, "os bhuvana-s ou mundos (onde todos esses seres vivem), os quais se conhecem bem a partir das escrituras reveladas, assumindo aspectos circulares, triangulares (e) quadrangulares, (bem como os aspectos) de meia-lua (e) de um guarda-chuva (aberto, também) têm formas superiores".

Assim, (a expressão vicitratanukaraṇabhuvanasantānam na estrofe significa) a continuidade de ininterruptas ligações em qualquer cosmos, (em outras palavras,) o fluxo contínuo desses mundos, órgãos sensoriais e corpos, o qual é vicitra --lit. múltiplo-- (ou) extraordinário e com diferentes (graus de) superioridade. Aquilo que é desse tipo (se chama) "o universo". E, com relação a esse universo, que é daquele tipo (e) cuja natureza é ser bhogya ou "que deve ser desfrutado", (a óbvia questão que surge é que) ele --o universo-- deve ser (desfrutado) por um "desfrutador" (ou tudo isso perderia o sentido)(Abhinavagupta) disse assim (na estrofe): "E nisso --no universo--, (somente Śiva, na forma de) um ser encarnado, (é) o Desfrutador ". (Se), no caso de um ser atômico --um ser limitado--, existe um deha ou corpo (que), estando perfumado pelas três impurezas, (é) a moradia do desfrute, (então,) ele (é) um "dehī" (ou) alguém que possui um corpo físico cuja natureza (se relaciona com) prazer, dor, etc.5 . Diz-se que o bhoktā ou desfrutador, (ou seja,) aquele que experimenta prazer, dor, etc. nesse (corpo físico) repleto de prazer, dor, etc., (deve ser conhecido como) paśupramātā ou um experimentador que é um animal ou besta6 .

Uma objeção!: (Se,) mesmo no caso de um mero ser atômico --um indivíduo limitado--, não há nenhuma diferença com relação ao Mais Alto Experimentador --não existe nenhuma diferença entre tal indivíduo limitado e o Ser Supremo--, por que se chama um miserável ser encarnado que é diferente Dele? (A resposta a essa pergunta já) foi expressa (desta maneira):

"Inclusive uma (pequena) região de Brahma tem todas as formas --é onipresente--, não pode ser ultrapassada e está além do pensamento."

E, segundo o axioma:

"Inclusive em cada um dos tattva-s ou categorias, existe a forma dos trinta e seis tattva-s."

somente um Experimentador, (isto é,) o Senhor Supremo, que está unido com o Seu Poder (e) cuja essência é a Grande Refulgência ou Luz, brilha como não distinto de tudo --em unidade com tudo--7 . (Portanto,) ainda que houvesse admissão da existência de um ser encarnado que, sendo diferente Dele, não é revelado pela Sua Luz, dado que há insuficiência de meios para a manifestação, a existência não poderia ser estabelecida. (No entanto,) se ele for revelado pela Sua Luz, nesse caso: (somente) "um Experimentador, que não é diferente da (Sua) Luz, verdadeiramente, (permanece) Naquilo cuja natureza é o Mais Alto Brahma". Por outro lado, essa dualidade caracterizada por desfrutador (e) desfrutado --por sujeito e objeto-- existe somente até esse ponto ou extensão --é válida somente desse ponto de vista--8 .

Dessa forma, aquele que pensa em tudo --isto é, Abhinavagupta-- disse (nessa estrofe): "somente Śiva, tendo assumido o estado de um indivíduo limitado --lit. animal, besta--". Aquele que (é) o Afortunado, (isto é,) Śiva, cuja essência é Liberdade Absoluta (e) que é uma compacta massa de Consciência (e) Bem-aventurança, como será explicado imediatamente em seguida, esconde Sua natureza essencial da Sua própria Vontade, (e,) como um ator, faz o papel de um experimentador dotado de um corpo físico. E, já que o estado de ser um paśu ou animal --um indivíduo limitado-- é protegido e nutrido (por Ele), Ele é caracterizado pela existência de paśu-s. (Como resultado,) diz-se que Ele (torna-se) um ser encarnado que é um desfrutador com relação a esse bhogya --o objeto de desfrute, isto é, o universo-- que está repleto de prazer, dor, etc. (e) foi criado por Ele Mesmo.

No entanto, (não) existe nada que, tendo surgido ou emergido a partir de um padārtha --duas possíveis traduções aqui: lit. "a partir do significado de uma palavra" ou "a partir de um tattva ou categoria da manifestação universal"--, seja diferente de Śiva. E esse mesmo Afortunado Śiva, por meio da (Sua) Liberdade Absoluta, erige --faz com que surja-- o par de experimentador --conhecedor-- (e) experimentado --cognoscível--, que aparece como desfrutador (e) desfrutado, como se fosse um brinquedo. (Toda) essa questão sobre o que é principalmente dual --dualidade entre experimentador e experimentado, desfrutador e desfrutado-- (é somente) com referência a isso. Portanto, essa Liberdade Absoluta do Senhor Supremo (é) sem igual, já que somente Śiva brilha no próprio Ser como uma massa compacta de Consciência (e) Bem-aventurança dotada do estado de Experimentador de todos os experimentadores, inclusive depois de Ele assumir a condição de paśu ou animal --o indivíduo limitado-- —a qual consiste essencialmente de desfrutador (e) desfrutado — mediante o abandono do Estado da (Sua) Perfeita e Plena Natureza Essencial||5||

Pular as notas

1  Em Trika, indicam-se 92 Āgama-s ou Escrituras Reveladas: 64 são Bhairavāgama-s (completamente não dualistas); 18 são Rudrāgama-s (uma mistura de não dualismo e dualismo); e, finalmente, 10 são Śivāgama-s (completamente dualistas). O dualismo é quando você considera que o Senhor Supremo é diferente de você. O não dualismo é quando você considera que não há nenhuma diferença entre você e o Senhor Supremo, ou seja, você é o Senhor Supremo e o Senhor Supremo é você. Mistura de não dualismo e dualismo é quando você considera que está em unidade com o Senhor Supremo, mas, ao mesmo tempo, não é exatamente como Ele, ou seja, é distinto Dele, da mesma forma que o calor que provém de uma chama é parte da chama e está em unidade com ela, mas é diferente da chama em si. Meramente um exemplo para você me entender. O Triká (Shaivismo não dualista do norte da Índia) está interessado principalmente nos 64 Bhairavāgama-s e não nos outros dois grupos de Escrituras Reveladas, que são adoradas, em sua maioria, por outra forma de Shaivismo chamada Śaivasiddhānta (Shaivismo do sul da Índia que se caracteriza pela presença de dualismo e não dualismo). Bem, outra longa história, como é sempre o caso nesse gigantesco universo denominado Shaivismo.Return 

2  Os Rudra-s ou seres liberados são 50, como expliquei antes (na nota 10 da primeira estrofe). Estão a cargo da manifestação, manutenção e retirada do universo. São capazes de esconder a própria natureza essencial ou revelá-la. Esses atos estão a cargo do próprio Śiva, o Senhor Supremo. Somente Ele pode esconder o Seu ser e revelá-lo a alguém quando quiser. Ninguém mais pode fazer isso, porque somente Śiva está dotado de Liberdade Absoluta (Svātantrya). Por essa razão, um grande Yogī que está plenamente iluminado nunca é impressionado pelos Rudra-s (não importa o quão poderosos forem), muito menos por outros seres humanos, mas apenas por Śiva, porque somente Śiva é o Outorgador de libertação final. Pessoas que são impressionadas por outras pessoas, pelo universo, por deuses ou ainda por Rudra-s ainda não estão totalmente despertas em relação ao próprio Ser (Śiva).Return 

3  A niyatiśakti do Senhor Supremo é o Poder (śakti) que gera restrição (niyati) nos órgãos sensoriais dos seres limitados. A palavra niyati (restrição), nesse contexto, não tem nada a ver com o Niyatitattva (categoria 11 da manifestação universal - Para mais informação, ver Tabela de Tattva-s para mais informação). O termo śakti significa "poder", e não "energia", como geralmente se traduz. Qual a diferença? A energia é inerte (jaḍa), enquanto um poder é consciente ou vivo (caitanya). Por "inerte", não quero dizer "estático". Por exemplo, a eletricidade é uma energia dinâmica, mas é inerte. Por quê? Porque não é consciente ou viva. O que é isso?? Por exemplo: A tomada na minha parede fornece 220 V. Se por acaso eu colocar os meus dedos nela, receberei 220 V, e não somente a quantidade de voltagem requerida para que o meu corpo não morra no processo. A eletricidade não é tão inteligente! Certos dispositivos tornam a eletricidade inteligente, aparentemente, mas, essencialmente, sempre continua sendo inerte ou não inteligente, pois lhe falta consciência. Um poder não é assim, isto é, inerte. Lembre-se de que inerte e consciente/vivo não são nem um pouco sinônimos de "estático" e "dinâmico", respectivamente, mas sim de "desprovido de consciência" e "dotado de consciência".

Então, um poder pode ser relativamente estático, e ainda assim é um poder, e não uma energia. E uma energia pode estar movendo-se por todos os lugares, mas ainda assim é inerte, porque não tem consciência por si própria. Por exemplo: A célebre Kuṇḍalinīśakti é a própria Śakti (o Poder do Ser, o Poder de Śiva), mas estacionada no corpo, por assim dizer. Ela é consciente/viva/inteligente. Se não fosse assim, isto é, se não fosse um poder, por exemplo, os corpos dos que meditam no Śiva em si mesmos evaporariam no processo. Por quê? Porque quando alguém medita em seu próprio Ser dessa maneira, põe-se em contato com a Kuṇḍalinīśakti mais cedo ou mais tarde. Se Ela não fosse suficientemente inteligente, a pessoa receberia um choque de magnitude infinita e todo o corpo evaporaria instantaneamente. Mas isso não está acontecendo, certo? Por quê? Porque Ela é consciente (caitanya) e regula adequada e compassivamente a "voltagem" para que o próprio corpo não morra durante a meditação.

Como consequência de tudo isso, quando essa Kuṇḍalinīśakti regula e limita o poder de percepção nos órgãos sensoriais, Ela é conhecida como niyatiśakti.Return 

4  Os grandes Yogī-s podem fazer isso facilmente, porque espaço e tempo não têm relevância no seu caso. Como isso é possível? O tempo existe somente quando alguém "tem alguma coisa para fazer", e não antes ou depois disso. Se você não tiver nada para fazer, o tempo não existe para você. O problema é que, em "escravidão", sempre se tem algo para fazer. Dessa forma, a noção de tempo continua a existir. Não estou dizendo de forma alguma que o tempo é uma ilusão ou que não existe. NÃO. É apenas relativo ao nível de consciência de quem o percebe. Se o tempo fosse uma realidade absoluta, não mudaria através das espécies. Por exemplo: o dia de Brahmā (o regente do mundo material mais elevado, chamado Brahmaloka - Leia a última nota da estrofe anterior) dura 8.640.000.000 anos humanos (se a minha memória não me falha), enquanto o dia de um ser humano dura apenas 24 horas. Essas diferenças através das espécies mostram que o tempo não é uma realidade "sólida" como a maioria das pessoas costuma pensar. No caso dos grandes Yogī-s que deram conta do Ser, o tempo é tão relevante quanto palha ao vento. As pessoas em escravidão, obviamente, sempre têm medo do tempo.

E o espaço não é importante no caso dos grandes Yogī-s, pois pode facilmente ser curvado pelos transes. A ciência moderna especifica que um objeto com uma grande massa pode curvar significativamente o espaço ao seu redor, por exemplo, o sol. Da mesma forma, um grande Yogī, cuja massa "espiritual" é extrema, pode facilmente curvar o espaço ao seu redor. Pode-se comparar o espaço com uma rede quadrada que está suspensa no ar. Quando a rede está disposta dessa forma, os quatro vértices parecem separados entre si. De qualquer forma, se você deixar cair uma bola pesada no centro dessa rede, ela vai se curvar e os vértices vão se aproximar entre si. Se a bola for muito pesada, os quatro vértices se juntarão ao final. Da mesma forma, quando um grande Yogī entra em transe, a sua massa espiritual torna-se infinita como a do Ser. Isso é porque ele e o Ser são a mesma e única Realidade. Ele é Śiva e Śiva é ele, não há diferença aqui. Como resultado, todos os objetos que pareciam estar longe entre si quando se mora no estado comum de consciência, agora aparecerão simultaneamente em "um lugar". Isso é muito fácil de entender, não é?Return 

5  Por "ser atômico", Yogarāja se refere a puruṣa (tattva ou categoria 12 na manifestação universal). Nesse nível, Śiva assumiu contração ou limitação, mas ainda não ingressou em nenhum corpo sutil... muito menos em um físico. Com a chegada dos tattva-s 14 (intelecto), 15 (ego) e 16 (mente), junto com os Tanmātra-s [elementos sutis (tattva-s 27 a 31)], esse ser atômico, que é puramente "subjetivo", é transformado em "ego", que é transformado em "objetividade", isto é, que está interessado em objetos. Esse interesse em objetos produzirá a manifestação do corpo físico ou sthūladeha, para assim desfrutá-los. Quando esse corpo bruto (perfumado pelas três impurezas denominadas Āṇavamala, Māyīyamala e Kārmamala - Leia Triká 4) termina, o ser atômico se converte, então, em um dehī ou ser iluminado. Isso completa o processo de escravidão. Em outras palavras, com a chegada do ser encarnado, Śiva se assegura de que sofrerá como um animal por anos e anos. Do ponto de vista de Śiva, tudo isso é um Jogo divino, mas, do ponto de vista do ser encarnado, tudo isso é uma grande tragédia.Return 

6  Esse ser encarnado é um paśu (lit. animal, besta) ou paśupramātā (lit. um experimentador que é um animal ou besta), porque a sua felicidade está sempre à mercê de fatores externos e internos (clima, dinheiro, pensamentos, emoções, etc.), porque costuma morder o seu libertador (por exemplo, discípulos atacando os seus Guru-s espirituais direta ou indiretamente) e porque não chega a lugar nenhum no final (isto é, não alcança libertação final da escravidão). Esclareci tudo isso na 7a nota da estrofe anterior.Return 

7  A Mais Alta Realidade é sempre "não dual". Por conseguinte, mesmo depois de assumir a forma de todos esses miseráveis seres encarnados, Śiva brilha sempre em unidade com todos eles, como o Ser Supremo. O dualismo sempre se relaciona com a ignorância. Quando a maior parte das pessoas é confrontada com a questão de que "são o próprio Deus" (absoluto não dualismo), geralmente dizem: "Como poderíamos ser Deus se somos tão imperfeitos, tão limitados?". Com essa forma de raciocinar, mostram a sua ignorância. Eles se identificam com os seus corpos físico e sutil, que consiste em elementos brutos, mente, ego, intelecto, etc. Não estão conscientes do seu divino Ser, que é Śiva. Inclusive pessoas que são aparentemente religiosas têm a mesma ignorante maneira de raciocinar sobre a sua identidade. Depois, dizem que Deus é todo-poderoso... mas, se isso for verdade, Ele também pode ser todas essas pessoas, 100% de cada uma delas. Se essas pessoas aparentemente religiosas responderem que Deus não pode ser todas elas, 100% de cada uma delas, então o Deus deles é quase-todo-poderoso. Como sempre existe esse tipo de incoerência no dualismo (bheda), o dualismo deve ser fortemente rejeitado pelas pessoas sábias que estão em busca da libertação final. Mesmo a mistura de dualismo e não dualismo chamado de bhedābheda, que aparece como "Eu sou um com Deus, mas, ao mesmo tempo, sou distinto Dele", também deve ser rejeitada como algo inútil, porque ainda tem um traço de dualismo. A Verdade é sempre não dual (abheda) na forma de "Eu sou Deus, Eu sou Śiva". Essa é a única saída da escravidão.Return 

8  Essa declaração poderia parecer "ficção científica" ou "sobrenatural", mas é muito fácil de compreender com o raciocínio adequado. A Sua Luz ou Refulgência (Prakāśa) não é uma mera luz inerte, isto é, uma luz que está desprovida de inteligência ou consciência. Por exemplo, toda a luz que emana desta lâmpada localizada em frente de mim nesse momento é inerte. No entanto, a Luz do meu próprio Ser (Śiva) é consciente e inteligente. Devido a essa Luz, posso ver a Luz inerte dessa lâmpada aqui e agora. E, se eu fechar os olhos, também posso ver a escuridão que se deve a essa Luz. E, nos meus sonhos, posso observar tudo o que está acontecendo na minha mente, novamente por meio da Luz do meu verdadeiro Ser. E, inclusive no vazio do sono profundo, posso ver tudo isso por meio dessa Luz. E essa Luz não é meramente Prakāśa, mas sim é consciente e inteligente, já que está dotada de Vimarśa ou Śakti. É uma Luz que sabe que é uma Luz que ilumina tudo. Se alguém por acaso perguntar: "Mas como você sabe que a Sua Luz está aí?". Porque, se a Sua Luz não estivesse ali, nunca poderia ter se tornado consciente de todas essas coisas. Por exemplo, Como cheguei a saber sobre o vazio presente no sono profundo? Porque, de alguma forma, percebi-o. Como? Pela Sua Luz. Simples de entender, certo?

"Mesmo se houvesse admissão da existência de um ser encarnado que, sendo diferente Dele, não é revelado pela Sua Luz, dado que há insuficiência de meios para a manifestação, a existência não poderia ser estabelecida": O dualismo sugere que há um ser encarnado que pode existir sendo diferente Dele. Mas existe insuficiência de meios para a sua manifestação. Por quê? Porque não se pode ir a nenhum lugar onde a Sua Luz não esteja presente. Você não acredita em mim? Tente ir a algum lugar onde a Sua Luz esteja ausente. Não é possível fazer isso, porque a Sua Luz vai com você como Você mesmo, como o seu verdadeiro Ser (Śiva). Como isso é dessa forma, sempre existe insuficiência de meios para provar que um ser encarnado pode ser manifestado por "outra coisa" que não seja a Sua Luz. Como resultado, nunca se pode estabelecer a existência de tal ser encarnado! Você conhece alguma pessoa dotada de um corpo que não tenha sido revelada pela Luz que está em unidade com você? Não, porque, mesmo que você meramente pensar em uma pessoa assim, esse pensamento também está iluminado ou revelado pela Sua Luz.

E tudo o que não está sendo revelado pela Sua Luz, a qual é verdadeiramente a Sua Luz, simplesmente não existe. E inclusive essa não existência também está sendo iluminada pela Sua Luz, porque você está pensando nela neste momento. Então, quanto tempo levará para você se dar conta de que é Śiva? Dar-se conta do Ser, ou seja, dar-se conta de Śiva, não é algo que você alcançará praticando meditação por anos, ou empreendendo longas peregrinações, etc. NÃO! Tudo isso é para a sua mente. Dar-se conta do Ser tem a ver unicamente com a Sua Graça e com a sua correta maneira de raciocinar sobre o seu verdadeiro Ser. Se você não souber como raciocinar, é facilmente derrotado pelos seus próprios poderes. Olhe ao seu redor! Tudo o que você pode perceber é a obra dos seus próprios poderes. Você é Aquele que observa toda essa obra, iluminando-a por meio da Sua Luz. Tudo isso ao seu redor está sendo revelado pela Sua Luz, que não é uma mera Luz inerte, mas sim uma Luz consciente. Da mesma forma, a Sua Luz deve ser conhecida como a Luz de todas as luzes, porque está sempre iluminando inclusive a total ausência de luz. Quanto vai demorar para que você perceba isso?

O que acabei de ensinar a você é confirmado por Yogarāja:

"(No entanto,) se ele é revelado por Sua Luz, nesse caso: '(somente) um Experimentador, verdadeiramente, que não é distinto de (Sua) Luz, (permanece) Nisso cuja natureza é o Mais Alto Brahma'".

Em suma, dado que esse ser encarnado é sempre revelado pela Luz do próprio Ser, ele está sempre em unidade com essa Luz, isto é, você está sempre em unidade com a Sua própria Luz, com a Luz do seu próprio Ser (Śiva), embora você vague em escravidão como um experimentador limitado cheio de imperfeições, que é um desfrutador de todos esses miseráveis objetos de desfrute tais como pensamentos, emoções, sonhos, cores, outras pessoas, refeições, dinheiro, etc. Uma pequena porção de Brahma (o Absoluto) é tão grande quanto o Próprio Brahma. O dualismo é sempre enganoso e ignorante, enquanto o não dualismo é a Verdade. Por essa razão, a escravidão tem a ver com o dualismo, enquanto a libertação final, também chamada dar-se conta do Ser, tem a ver com não dualismo. Consequentemente, alguém que busque total libertação da escravidão, evitando pontos de vista inferiores dualistas, deveria sempre tomar refúgio na Luz do Supremo Não Dualismo!

Os dois parágrafos finais escritos por Yogarāja neste comentário apenas expressam o que expliquei aqui em detalhes. Não há necessidade de que eu comente adicionalmente esses dois parágrafos anteriores. Você é Śiva, o Mais Alto Experimentador cuja natureza essencial é uma compacta massa de Consciência e Bem-aventurança. Lembre-se dessa Verdade constantemente e recupere a Liberdade que você nunca perdeu!Return 

Ao início


 Estrofe 6

No entanto, (por Ele ser) "um" Experimentador cuja natureza é Consciência, se Ele (se torna) "muitos" por causa da multiplicidade (que aparece) como a diversidade de conhecedores --experimentadores-- (e) cognoscíveis --objetos-- (gerados) por Māyā, etc., como (é que) Ele é designado como "um", que é o oposto (de "muitos")? (Além disso,) se (Ele é) "um", por que (Ele é) multiforme? Dessa forma, devido à contradição —como sol contido em uma sombra—, apareceria repentinamente uma superposição ou falsa atribuição de qualidades essenciais que são opostas (entre si). Além disso, "uma" coisa não é "multiforme".

Essa (mesma verdade) foi expressa (da seguinte forma):

"Essa diferença entre os objetos é provocada pela (própria) diferença (entre eles), ou também (é o resultado de uma) superposição —produzida por uma variedade de causas— de qualidades essenciais que são opostas (entre si)."

Devido à presença de alguém que usa um exemplo ou comparação como prova, (Abhinavagupta) resolve --acaba com-- a difícil pergunta colocada para convidar a controvérsia mostrando, aqui --na sexta estrofe--, um exemplo relativo à vida cotidiana1 :


Assim como um cristal puro assume uma forma ou aspecto que contém diversas cores, do mesmo modo, o Senhor também (assume) a forma ou aspecto de deuses, seres humanos, animais (e) árvores||6||


Assim como um cristal, embora (seja) um, adota para si toda essa multiplicidade que aparece como mil variedades de diversos atributos qualificadores tais como tinta vermelha, cor azul, etc., da mesma forma, (o Senhor) se torna variegado ou multicolor. Além disso, enquanto isso --enquanto o cristal adota para si toda essa multiplicidade de cores, etc.--, não tem lugar (nenhuma) diminuição na sua condição como cristal2 .

Essa mesma (condição é também) a condição de maṇi --lit. gema/joia--, no caso do cristal --lit. cristal-gema--, a qual (faz com que), mesmo quando ele --o cristal-- está coberto com diversas características distintas --por exemplo, tinta vermelha, cor azul, etc.--, (exista) sempre em todos a percepção desimpedida (de que) "este (é) um cristal "3 .

"Somente esses (atributos qualificadores tais como) tinta vermelha, etc., aparecem aqui"... isso é o que se diz. No entanto, o atributo qualificador (tal como) tinta vermelha, etc., não o torna --o cristal-- diferente como (o faz) no caso de um pedaço de tecido, (e) pelo qual não existe nenhuma aniquilação da sua --do cristal-- natureza essencial4 .

Como consequência, essa (é) certamente a pureza total da gema --do cristal--, que (permite ao mesmo) tomar formas que aparecem como o atributo qualificador e (simultaneamente) manifestar-se com a sua própria natureza essencial.

Da mesma forma, esse Livre Senhor, que é uma massa compacta de Consciência, ainda que solitário, no extremamente claro espelho do Seu Ser, mantém —em unidade com o Seu Ser—, como se Ele fosse um Cristal, a diversidade de cores, (ou seja,) a Forma das diferentes características que aparecem como as categorias que começam com os Rudra-s --seres libertados a cargo da manifestação, manutenção e retirada do universo-- (e) indivíduos limitados --lit. conhecedores do campo-- (e) terminam em deuses, seres humanos, animais, aves (e) vegetais, bem como as coisas (restantes) que foram criadas por Ele mesmo5 . (Além disso,) já que (esse Livre Senhor) reside além inclusive disso --de todas as coisas que foram enumeradas-- (como) "Eu", dessa forma, Ele é consciente do --lit. toca-- Seu Ser, que está estreitamente preso ao Deleite (e) é "um", ainda que apareça como multiforme --repleto de diversas formas--6 .

Dessa forma, não há nenhum espaço ou tempo, cuja natureza tem a ver com a diferença ou dualidade, que rompa a Sua unidade. (Assim,) com relação a esse (tema), uma refutação da superposição ou falsa atribuição das qualidades essenciais que são opostas (entre si), etc., no caso desse Grande Senhor, que é o próprio Ser, foi (tacitamente) expressa (por Abhinavagupta na estrofe), certamente. (E,) por parte de outros --pelos budistas--, admite-se que a cognição de uma pintura, a qual --a cognição-- tem a ver com a clara ou direta percepção, ainda que esteja completamente dividida em múltiplas partes ou porções --subcognições--, é só uma.

Como (foi estabelecido) no Pramāṇavārttika:

"Na cognição de uma pintura, o atributo qualificador (desse) conhecimento, tal como azul, etc., é somente um --isto é, não é distinto da cognição da própria pintura--, (ou) a sua percepção --a perceção do atributo qualificador-- seria impossível. (De fato, inclusive) o que distingue ou diferencia isso --o atributo qualificador desse conhecimento-- está certamente incluído (nessa) questão (chamada "cognição de uma pintura")7 ."

(Então,) no caso do Livre Conhecedor que é totalmente Pleno (e) cuja única essência é Consciência, quanto mais ou menos (podem) esses (dois), espaço e tempo, que são considerados como fazedores de diferenças ou dualidade, permanecer com os que fazem Ele aparecer como as diversidades ou variedades de forma (e) ação? (E) como (esses dois) poderiam ser delimitadores desse Afortunado --o Senhor--?

Se, alguma vez, em um momento ou outro, houvesse existência de espaço e tempo como sendo diferentes da Consciência, então a superposição de qualidades essenciais que são opostas (entre si) "poderia surgir" como resultado ou consequência dessa (dualidade, ou seja,) poderia haver uma suposição com relação a isso8 .

(Ainda assim,) dado que, no caso de ambos --espaço e tempo--, o estabelecimento da sua existência (ocorre) unicamente através da Luz da Consciência, (então) foi provado, assim, (que) o Grande Senhor, cuja forma é Consciência, (é) somente "um", ainda que (pareça) ter a natureza de muitos. No entanto, no caso das qualidades essenciais que produzem diferenças (serem consideradas independentes do Grande Senhor, então) a (teoria sobre uma) superposição de qualidades essenciais que são opostas (entre si seria) "difícil de remover, certamente9 "||6||

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1  Agora, um dārṣṭāntika (alguém que usa um dṛṣṭānta -um exemplo ou comparação- como prova) levanta a seguinte dúvida: "Se o Grande Senhor é 'um', por que se diz que Ele se torna 'muitos'? E por que, então, Ele é multiforme? Isso implicaria que se deve convocar um 'adhyāsa' (superposição) para explicar a multiplicidade no Grande Senhor, como no caso do Advaitavedānta (um dos três tipos de Vedānta), onde Brahma, o Absoluto que é desprovido de qualquer atividade, é postulado como tendo a superposição de Māyā (o poder ilusório da ignorância). Como resultado dessa superposição, o upādhi -substituto- chamado Īśvara (também denominado Saguṇabrahma ou Brahma com atributos) surge na forma do "Senhor do universo" (para mais informação sobre essas declarações do Advaitavedānta, leia "Confusão entre Vedānta e Trika", e também "Aprendendo a raciocinar adequadamente"). Yogarāja, o comentador, não está especificamente na filosofia que esse dārṣṭāntika segue, mas, segundo a sua forma de raciocinar, presumo que ele é, muito provavelmente, um seguidor do Advaitavedānta. Esse tipo de seguidor tende a explicar os processos por superposições (adhyāsa-s). Como não conseguem pensar na Mais Alta Realidade (Brahma) como "uma" e "muitas" ao mesmo tempo, e como não conseguem conceber que Brahma pode ser sem forma e multiforme ao mesmo tempo, recorrem a uma Māyā (o poder ilusório da ignorância) superposto sobre a Realidade de Brahma para explicar a coexistência de Brahma (desprovido de atividade e forma) e o universo (cheio de atividades e formas). O Trika não apoia nem um pouco esse ponto de vista!

Aquele que contesta a verdade de que o Grande Senhor é tanto um quanto muitos ao mesmo tempo, apesar de ter "uma forma", cita uma passagem para provar o seu argumento. De forma resumida, essa passagem diz que a diferença entre os objetos sempre é produzida porque os objetos são essencialmente distintos entre si ou porque existe uma superposição sobre um deles ou ambos. Por exemplo: Uma mesa é diferente de uma cadeira, mas duas mesas idênticas podem ser distintas entre si simplesmente porque foram pintadas com diferentes cores. Portanto, a cor "superposta" sobre as mesas produz a diferença entre elas. Da mesma forma, o Senhor Supremo (Paramaśiva), por ser um e ter somente uma forma, deve ter "algo superposto" de modo que possa aparecer como muitos e multiforme. Esse é o argumento apresentado pelo contestador. Abhinavagupta destruirá a sua argumentação por meio de outro dṛṣṭānta -exemplo ou comparação- extraído da vida cotidiana. A 6a estrofe é, então, simplesmente a sua formulação de tal exemplo.Return 

2  Abhinavagupta compara o Senhor a um cristal puro, pois, assim como um cristal reflete tudo o que está perto dele sem mudar a sua natureza essencial, da mesma forma, o Senhor exibe a multiplicidade e formas diversas apesar de que é único e sem forma. Quando digo "sem forma", quero dizer que a Sua forma não pode ser delineada nem sequer pelo intelecto mais sutil. A diferença entre um mero cristal e o Senhor é apenas que o cristal está refletindo objetos que estão fora dele mesmo. Além disso, o cristal não é consciente da presença de tais objetos e seus respectivos reflexos sobre ele. Dessa forma, o Senhor seria como um Cristal "divino" que reflete objetos que estão dentro Dele mesmo e, ao mesmo tempo, está plenamente consciente da sua presença. Toda essa multiplicidade de seres, objetos, papéis, etc. não pode afetar a pureza desse Cristal divino. É por isso que quando alguém se dá conta do Senhor completamente, isto é, quando reconhece a própria natureza essencial, o que se percebe é a Realidade imutável que nunca foi afetada por nada. Śiva, o Grande Senhor, permanece sempre igual e não é afetado de forma alguma por tudo o que se reflete Nele. Esse Śiva é Você aqui e agora, e todos os objetos ao seu redor, bem como todos os pensamentos na sua mente, e o resto das coisas que ainda não estão manifestadas, mas estão prontas para se manifestar no futuro, estão se refletindo na Sua --de Você-- Pureza. E o espaço e o tempo onde todas essas coisas e pensamentos moram também estão se refletindo na Sua Pureza. Dessa forma, Você parece "variegado, multicolor" e cheio de diferentes estados e qualidades, enquanto, ao mesmo tempo, permanece completamente imaculado como um divino Cristal. Essa é a maneira correta de pensar sobre "Si Mesmo" e o universo. Esse tipo de atitude rompe imediatamente as correntes da própria ignorância.Return 

3  Quando qualquer um pega um cristal, não importa o quão coberto de cores possa estar, dizem: "Isto é um cristal". Não há dúvidas sobre isso, porque a natureza do cristal se impõe sobre o resto dos atributos qualificadores (por exemplo, cores) adicionados a ele. Isso é muito fácil de entender, certo?Return 

4  Quando qualquer um pega um cristal, está plenamente consciente de que é um cristal, apesar da presença de atributos qualificadores sobre ele (por exemplo, cores), e simplesmente dizem: "Bem, todas essas coisas adicionadas ao cristal estão aqui"... mas isso não muda o seu pensamento sobre a natureza do cristal propriamente dito, isto é, todos esses atributos qualificadores não mudam a natureza do cristal, da forma como acontece com um pedaço de tecido (ex.: um pedaço de tecido mergulhado em tinta vermelha), já que não aniquilam a natureza essencial do cristal. Estão simplesmente aqui, e refletem-se no cristal ou inclusive estão sobre o cristal (como pintura), mas não penetram no núcleo do próprio cristal. Então, a natureza essencial do cristal permanece inalterada. Da mesma forma, todas as coisas "dentro" do Grande Senhor (Você!) não o mudam. São reais, porque existem dentro do Senhor, mas não podem afetar a Sua recôndita natureza. Quando se diz: "Sou magro", "Sou chato", "Sou inteligente", "Sou rico", etc., não se fala sobre si mesmo, mas sim somente do corpo físico, da mente, de coisas externas, etc. O que Você É permanece igual sempre. É isso que você percebe no momento da libertação final: "Que Śiva (Você) nunca mudou embora tantas coisas pareçam ter-lhe acontecido".Return 

5  Dessa forma, devido à Pureza Total desse Grande Senhor, Ele pode ser o Senhor imutável de todos e ao mesmo tempo estar cheio de múltiplas formas. Todas as categorias ou padārtha-s, começando com Rudra-s (os seres libertados a cargo da manifestação, manutenção e retirada universais) e os conhecedores do campo -as almas individuais que moram na categoria 12 ou Puruṣatattva- e terminam em deuses, seres humanos, animais, aves, vegetais e o e o resto das coisas manifestadas pelo próprio Senhor -em suma, tudo o que emanou a partir da categoria 13 ou Prakṛtitattva (isto é, tattva-s 14 a 36)-... a tudo isso o Grande Senhor mantém em unidade Consigo, como se Ele fosse um Cristal divino, embora a Sua natureza essencial nunca mude nem um pouquinho. Esse exemplo mostra unidade e diversidade existindo de forma simultânea sem contradição.Return 

6  E esse Grande Senhor Śiva, já que mora como "Eu", está plenamente consciente da Sua natureza (o Seu Ser). Esse Ser está estreitamente preso ao Deleite íntegro (ou seja, a Śakti, o Poder do próprio Śiva) que aparece como a Sua "consciência do Eu" (EU SOU). Isso está acontecendo agora: O leitor está consciente de si mesmo, ainda que tantos objetos e seres que estão refletidos nele. Isso não está acontecendo com um Śiva distante que ninguém conhece, porque Śiva é a Essência do próprio leitor. Se o leitor "ler" tudo isso e ao mesmo tempo pensar que não é Śiva, ele nunca vai entender essa escritura adequadamente. E o Deleite íntegro ou Śakti é o que Śiva experimenta constantemente na forma de distintos estados de ânimo, da extrema ausência de Bem-aventurança até a extrema presença de Bem-aventurança em meditação, etc. Tudo isso é o Seu Deleite "íntegro". Esse Deleite é "íntegro" (akhaṇḍa) porque é sempre "o mesmo". Então, todos os estados de ânimo, desde a total ausência de Bem-aventurança até a total presença desta também são a Sua Bem-aventurança ou Deleite.

Os aspirantes espirituais que ainda estão amarrados pela sua própria ignorância creem que a Bem-aventurança está ocorrendo apenas quando estão "extremamente felizes" em meditação, canto de mantra-s e coisas assim, enquanto o resto de estados está cheio de "algo mais" (não de Bem-aventurança). Dessa maneira, a sua Bem-aventurança dura o tempo em que estão meditando, cantando, etc. na posição de lótus, por exemplo, mas, no resto do dia, quando estão ocupados com outras coisas "mundanas", não estão em Bem-aventurança, mas sim "afundados em miséria". Esse conceito errôneo em relação à natureza verdadeira da Bem-aventurança é visto comumente nesse mundo. Mas a verdadeira Bem-aventurança não é assim, pois, se isso estivesse certo --que a Bem-aventurança ocorre somente durante um momento e o resto do dia está afundado em "outra coisa diferente"--, tal Bem-aventurança estaria "dividida", e, consequentemente, careceria de valor. Quem iria querer uma Bem-aventurança assim, que dura só o tempo de meditação, canto, etc.?

Tais aspirantes, que estão incapacitados pela sua própria impureza (Āṇavamala), procuram tornar o resto dos estados além do experimentado em meditação, canto, etc. "bem-aventurados" também, mas falham miseravelmente. Isso porque não têm que "fazer" nada senão apenas ter a correta atitude em relação à verdadeira natureza da Bem-aventurança: "Tristeza é Bem-aventurança", "dor é Bem-aventurança", "preocupações são Bem-aventurança", "estupidez é Bem-aventurança", "felicidade é Bem-aventurança", "indiferença é Bem-aventurança", e por aí vai. Quando aprendem a considerar todos esses estados, geralmente rotulados "estados mundanos", como Bem-aventurança unicamente, finalmente têm sucesso. Então, mesmo se estiverem afundados em miséria total, estarão repletos de Bem-aventurança "íntegra". Essa é a Chave para escapar da escravidão, que se caracteriza por "ausência de Bem-aventurança"... não porque a Bem-aventurança não esteja presente na escravidão, mas sim porque "as pessoas pensam que essa ausência de Bem-aventurança NÃO é Bem-aventurança". A iluminação espiritual tem sempre a ver com ter a atitude correta, a atitude de Śiva, e NÃO com práticas tais como meditação, canto de mantra-s e outros.Return 

7  Quando se ensina que espaço e tempo não afetam o Ser, o significado escondido nessa declaração se mostra aqui com o exemplo de um cristal que reflete a tinta vermelha, azul, etc. Espaço e tempo, como cores, tingem apenas o cristal, mas nunca alteram a sua natureza essencial. Quando alguém diz: "Tenho 19 anos" ou "Vivo no Brasil", na verdade quer dizer "Meu corpo tem 19 anos" e "Meu corpo vive no Brasil". Śiva, o seu Ser, reside em todo lugar e em nenhum lugar ao mesmo tempo. É por isso que se diz que essa pessoa não está nem dentro nem fora do seu corpo, porque o Ser não está atado a espaço e tempo como está o corpo. Resumidamente, todos esses corpos que você pode ver (incluindo o seu) contêm uma pessoa (o Ser) que não está nem dentro nem fora deles. Sim, isso não é mental, mas age além do campo da mente.

Essa analogia de cristal refuta a teoria da superposição insinuada pelo contestador. Para dar mais suporte a essa analogia, Yogarāja cita um fragmento de uma escritura budista, o Pramāṇavārttika de Dharmakīrti, onde o autor indica que existe total unidade entre os atributos qualificadores de uma pintura, tais como cores, e a cognição (o ato de conhecer) da pintura em si. São a mesma e única coisa. Se não fosse assim, ninguém poderia perceber os atributos qualificadores (por exemplo, as cores). De fato, inclusive a pessoa que contempla a pintura está incluída no processo chamado "cognição de uma pintura". Como resultado, há plena unidade entre conhecedor, conhecimento e cognoscível, ou nenhuma cognição seria possível. Da mesma forma, há unidade plena entre o Ser como cristal e todos os reflexos que ocorrem Nele. Isso é muito fácil de entender, certo?Return 

8  Dessa maneira, espaço e tempo não estão fazendo com que o Grande Senhor apareça como a multiplicidade que você encontra neste universo, já que eles próprios também são reflexos sobre o cristal da Mais Alta Realidade. Além disso, espaço e tempo, por serem meros reflexos, não podem confinar o Grande Senhor de nenhuma forma, ou seja, não podem limitar o Ser.

A única forma em que alguém poderia imaginar que a teoria da superposição de qualidades essenciais que são opostas entre si (por exemplo, os muitos seres superpostos sobre o "único Ser") seja correta seria se espaço e tempo fossem distintos do Ser. Com a existência de tal dualidade, a teoria da superposição poderia ser válida. Mas, como isso nunca ocorre, ou seja, o espaço e o tempo não são diferentes do ser, porque, se fossem assim, não existiriam porque Ele não os perceberia, como Kṣemarāja explicou extensamente na sua Śivasūtravimarśinī I.1, a teoria da superposição nunca é válida no caso do Grande Senhor Śiva.Return 

9  Então, como foi provado, espaço e tempo não são diferentes de Śiva e, consequentemente, não podem delimitá-lo ou alterar a Sua natureza de modo algum. Nunca! Então, a presença de todos os seres que estão vivendo na estrutura de espaço e tempo não contradiz a Verdade de que o Ser é apenas "um", porque todos eles não são nem um pouco distintos do próprio Ser. Portanto, não há necessidade de convocar a teoria da superposição para explicar a presença de muitos seres em um Ser. Essa teoria da superposição seria difícil de remover apenas se houvessem qualidades essenciais produtoras de diferenças (por exemplo, espaço e tempo), mas que existissem "além do Grande Senhor". Com a introdução dessa dualidade, a teoria da superposição se tornaria válida. De qualquer forma, como esse não é o caso, já que o Senhor é um com o espaço e tempo, a presença de todas as coisas contidas no espaço e tempo não nega a Sua solitária Existência. Ficou claro, não? Agora, quando Yogarāja e eu estávamos falando do Grande Senhor (também conhecido como Śiva, o Ser), estávamos falando sobre o leitor e ninguém mais. Estou enfatizando esse ponto, porque o Grande Senhor tende a esquecer sobre Si Mesmo nesse Seu Jogo.Return 

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 Estrofe 7

Uma objeção: Se admitir-se que "O Experimentador ou Conhecedor, que é realmente Consciência, (é) apenas um, (mas que) Ele próprio, tendo assumido (os aspectos denominados) corpo, sentidos e mundos, torna-se muitos ", então, nesse caso, quando ocorre a destruição do corpo, etc., Ele próprio seria destruído. Ou ainda, quando isso --corpo, etc.-- é produzido, então Ele seria produzido.

Dessa forma, cada experimentador ou conhecedor (associado com corpo, etc.,) é dividido segundo as seis mudanças aplicáveis a uma entidade positiva, (e, como resultado,) "ele nasce, existe, etc. ". (Consequentemente,) no caso desse mesmo Senhor --o Afortunado-- (que se tornou um experimentador ou conhecedor limitado), seria obtido o desfrute do céu, inferno, etc., de acordo com a variedade de karma-s ou atividades cuja natureza é virtuosa (ou) pecaminosa. Assim, como se diz (que) "a sua --desse experimentador ou conhecedor limitado-- natureza essencial (é) Śiva "?

(Abhinavagupta) também resolve --acaba com-- essa (objeção) por meio de um exemplo1 :


Assim como a imagem da lua se move em água que flui (e) não se move em (água) calma, da mesma forma, esse Ser, o Grande Mestre, (comporta-se) no que se refere ao grupo (composto por) corpo, sentidos (e) mundos||7||


Assim como, em uma corrente ou fluxo de água, que se move, a imagem ou forma da lua, que na verdade está no céu, —(sendo) ela própria completamente sem movimento, mesmo tendo caído dentro de uma corrente de água — move-se, vai, por assim dizer; Da mesma forma, nesse mesmo momento, em outro lugar, em um lago que não está calmo, aquela imagem da lua não se move, por assim dizer. Dessa forma, essa (situação) é considerada possível por todos os experimentadores ou conhecedores em ambos os casos, mas isso não é assim na realidade --isto é, embora a imagem refletida da lua pareça estar movendo-se ou permanecendo calma, tudo isso é mera aparência--2 .

Espaço e tempo, que se conectam com a água (e estão) dotados da capacidade de gerar diferenças, não tocam a natureza essencial da lua, que está no céu. (É) somente a água que é assim. Além disso, no caso da imagem da lua refletida nela --na água--, diz-se que a diferença tem a ver com movimento, ausência de movimento, etc., presente na água. Então, até esse ponto, (seja) no caso (da imagem) da lua presente na água do Ganges ou caída sobre lodo, não existe nenhuma perda ou dano em relação à sua natureza essencial.

Da mesma forma, esse Ser, cuja essência é Caitanya --Consciência em Liberdade Absoluta--, (comporta-se) em relação ao auto-criado agregado (composto por) corpo, sentidos (e) mundos quando (esse agregado) desaparece ou surge. Essa (questão sobre) "desaparecido e surgido " (é) meramente (uma questão de) uso ou prática comum no caso dos que estão perplexos por Māyā, como a (imagem da) lua presente na água. No entanto, o próprio Ser nem nasce nem morre". Assim foi dito nos versos da Bhagavadgītā3 :

"Nunca nasce nem morre. Essa (alma encarnada) não passou a existir, nem passará a existir, nem está passando a existir (agora mesmo). Essa (alma encarnada é) não nascida, eterna, perpétua, antiga. Não (é) morta quando o corpo é morto."

Portanto, esse Ser, o Livre e Grande Mestre, cuja essência é consciência de tudo em Si Mesmo, estende-se como o estado de Experimentador ou Conhecedor em todos os experimentadores ou conhecedores. Como consequência de tudo isso, (Ele é) certamente a própria natureza essencial na aniquilação ou surgimento dos diversos estados.

E esse Estado de ser o Grande Mestre que pertence ao Princípio (chamado) Consciência faz o que é muito difícil de cumprir, (isto é,) Ele --esse Estado de ser o Grande Mestre--, ao ficar dotado do estado de experimentador (conhecido como) paśu --lit. animal, besta, ou seja, o indivíduo limitado-- de uma ou outra forma, (torna-se) inclusive o experimentador do desfrute no céu, inferno, etc., cuja --desse experimentador-- natureza essencial (é) Consciência com a capacidade de experimentar tudo4 .

Ao contrário (do que poderia ser pensado, em relação a) esse estado de paśu ou indivíduo limitado, que é restringido pela força que gera escravidão (e) que consiste em virtude, pecado, céu, inferno, fome, sede, etc., se ele --o estado de escravidão-- for manifestado e tocado --experimentado-- pelo Afortuando --o Senhor-- através da Luz do Seu próprio Ser, então (esse estado de paśu) obterá (a sua) previamente mencionada existência no próprio Ser, (ou,) de outro modo, não teria nenhuma essência. Então, como se diz que esse (estado de paśu) é para a aniquilação da natureza essencial desse Grande Senhor que é o próprio Ser?5 

De todos os pontos de vista, aquilo que consiste de corpo, etc. é uma coisa criada que pode ser eliminada ou produzida. No entanto, produção e eliminação nunca existem em relação a Caitanya ou Consciência em Liberdade Absoluta, (isto é,) o Senhor eterno.

Por causa disso, somente um Ser se torna, (por um lado,) múltiplo --multiforme-- na forma de objetos e sujeitos, (e), por outro lado, estende-se em unidade com todos como o Experimentador de tudo. Dessa maneira, não (pode) haver nenhuma eliminação da doutrina não dualista6 ||7||

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1  Resumindo, o contestador está dizendo que existiria a seguinte conclusão se o Ser, que é só um, se tornar muitos: "Com a geração de corpo, sentidos e mundos, como o Ser se torna tudo isso, quando corpo, sentidos e mundos finalmente desaparecerem, o Ser também desapareceria com eles. E, por sua vez, quando eles forem produzidos de novo, o Ser apareceria com eles novamente".

Dessa maneira, haveria um Ser aparecendo e desaparecendo a todo momento em todos os seres individuais associados com corpo, sentidos e mundos. Essa é a doutrina dos múltiplos seres nascidos a partir de um único Ser. Todos esses seres individuais atravessam as seis mudanças aplicáveis a uma entidade positiva (ṣaḍ-bhāva-vikāra). Esse assunto já foi explicado na nota 9 das estrofes 2-3. No final da contestação, ele está tentando provar que, como os seres individuais experimentam miséria a quase todo momento na forma de céu, inferno, etc., devido às suas ações, então, como esses seres poderiam ser considerados como o próprio Ser Supremo (Śiva)? O que ele está tentando fazer é remover a doutrina não dualista entre o Ser Supremo e o ser individual, isto é, a doutrina de que o ser individual, apesar da sua miséria, é o Ser Supremo de qualquer forma.

Para acabar com essa objeção de maneira compreensível, Abhinavagupta escreveu esta estrofe, que contém um exemplo da vida cotidiana: a imagem da lua refletida na água.Return 

2  O Ser Supremo é comparado com a imagem ou forma da lua refletida tanto em uma corrente de água quanto em uma lagoa. Embora a água na lagoa NÃO esteja calma, conforme foi claramente especificado por Yogarāja por meio da expressão "niḥstimite sati - que não está calma" (você poderia ter esperado a expressão "stimite sati - que está calma" em vez dessa, certo?, porque pareceria mais lógica), o reflexo da imagem da lua permaneceria estacionário, porque uma lagoa não é uma corrente de água (por exemplo, um rio). De qualquer forma, o que está acontecendo com o reflexo não está acontecendo nem um pouco com a lua propriamente dita. Todos os experimentadores limitados pensam que as duas situações são possíveis, isto é, a imagem da lua se movendo ou permanecendo calma. Mas isso não está acontecendo na realidade, porque a lua está no céu, e não na água. Isso é muito fácil de entender, é claro. Da mesma forma, o Ser Supremo, embora pareça estar atravessando diferentes estados tais como "ter um corpo, sentidos, mundos", permanece o Mesmo sempre, completamente Puro e Imutável. Dessa forma, a teoria de múltiplos seres independentes é eliminada. Existe somente um Ser e todos os múltiplos seres que são manifestados pelo Poder desse Ser são como o reflexo da lua na água. Todos eles parecem estar experimentando um ou outro estado, mas isso não afeta o verdadeiro Ser em todos eles.Return 

3  Isso é apenas a maneira como é a água. Não tem nada a ver com a lua propriamente dita. Da mesma forma, o que os seres individuais fazem ou deixam de fazer nunca afeta de forma alguma o Imaculado Ser. O conjunto inteiro formado por corpo, sentidos e mundos, não importa se aparece ou desaparece, nunca toca a Sua Pureza Absoluta. No entanto, é uma prática comum entre todos esses indivíduos limitados, que são meros reflexos do Ser Supremo e ainda estão perplexos devido à Sua Māyā (o Seu Poder para produzir diferenças), falar assim: "Essa pessoa nasceu" ou "Essa pessoa morreu". Nada disso tem a ver com o Grande Śiva, o Imortal, obviamente, assim como nada do que acontece com a imagem da lua refletida na água tem a ver com a lua em si. Isso é fácil de entender em teoria, mas, na prática, meu Deus... às vezes, a Sua Māyā obscurece os intelectos de santos. É por isso que não é nenhuma surpresa haver todos esses indivíduos limitados por aqui vivendo totalmente à mercê da enganosa aparência de nascimento e morte, não é?Return 

4  Ele é o Grande Mestre, pois ninguém pode possuir "tudo" como Ele pode. Ele diz: "Agora", e você obtém libertação final. Ele diz: "Agora não", e você não obtém libertação final. É simples assim, mas a maioria desses indivíduos limitados pensa que será capaz de forçar o Grande Mestre por meio de alguns métodos e práticas. Se realizar práticas fosse efetivo para revelar o Grande Mestre, Ele não seria o Grande Mestre, e sim outro servo. Então, isso não é possível. As práticas são meros passatempos para as pessoas que esperam a Sua decisão final sobre a sua libertação. Os egos, em sua maioria, odeiam ouvir isso, pois querem exibir a sua liberdade de alguma forma. Mas que liberdade mostrarão se não têm nenhuma? No fundo, bem no fundo, leitor, você sabe perfeitamente que não é realmente livre... e, além disso, não tem nem ideia do que deve fazer para resolver esse problema. Mas, como essa verdade é óbvia mas muito difícil de engolir, dão-se práticas a elas para que fiquem entretidas enquanto o "verdadeiro Trabalho" está sendo realizado pelo Seu Poder. Finalmente, se a decisão for "Sim" nesta vida para ele ou para ela, uma pessoa obterá libertação final em um piscar de olhos, não importa se estiver realizando uma prática espiritual naquele momento ou meramente jogando um videogame, dirigindo um automóvel, buscando um gato, etc. Como Ele é um com tudo, nada pode obstruir a Sua Vontade. A maioria das pessoas quer uma democracia no seu caminho espiritual, mas isso é impossível. Se uma democracia fosse possível no Seu caso, não seria chamado "o Senhor", mas sim "o Presidente" ou algo semelhante.

O que é isso que é muito difícil de cumprir?: É escravidão e libertação final. Somente o Seu Poder pode fazer isso. Foi o Seu Poder que contraiu Śiva até o nível de um indivíduo limitado em escravidão. Assim, é somente o Seu Poder que pode expandir Śiva até o nível de Grande Mestre novamente. Isso não pode ser realizado por nenhum ser individual, que é meramente um reflexo do Grande Mestre na água da Sua Māyā. E, obviamente, todas essas coisas conectadas com a escravidão e a libertação final também são meras aparências, porque, quando alguém consegue libertação final, dá-se conta de que não existe nenhuma libertação final, pois sempre foi Śiva e não o indivíduo limitado dotado de corpo, sentidos e mundos. O que se chama "ser individual em escravidão" é como se a lua pensasse que a sua imagem refletida na água é "ela mesma", e, consequentemente, tudo o que está acontecendo com essa imagem também está acontecendo com a lua em si. Quando essa ignorância desaparece, ou seja, quando se percebe a Verdade, Śiva é percebido tal como Ele sempre é. Em outras palavras, a libertação final é quando a lua finalmente se dá conta deste simples fato: "Tudo o que está acontecendo com a sua imagem na água não está acontecendo com ela mesma". Quando isso acontece, isso é libertação final. De qualquer forma, não houve realmente uma libertação, porque a lua sempre foi a lua. O mesmo é verdadeiro com relação aos seres individuais em escravidão que alcançam libertação final e se dão conta do simples fato de que sempre foram Śiva e nada mais do que Śiva.Return 

5  O estado de paśu (lit. animal, besta) ou indivíduo limitado foi manifestado pelo Seu Poder (pela própria Śakti). Então, nunca pode aniquilar a natureza essencial do Grande Senhor, que é o próprio Ser. Por aniquilação ou vipralopa, o autor se refere ao ato de obscurecer o Ser Supremo. Aparentemente, toda essa ignorância exibida neste tolo mundo está obscurecendo ou obstruindo o Grande Mestre, e, como resultado, todos nós precisamos fazer muitas práticas para finalmente removê-la... mas isso é falso, porque essa própria ignorância foi manifestada pelo Seu Poder e obtém a sua existência constantemente Nele. Dessa forma, tal ignorância nunca pode se meter no caminho do Grande Mestre.

E essa ignorância também nunca está transformando-o, ou seja, "o Grande Mestre transformado em um indivíduo limitado e deixando para trás a Sua gloriosa natureza essencial". Essa é uma falsa declaração, porque o Grande Mestre, Śiva, nunca se transformou em nada. Foi simplesmente o Seu Poder que gerou o "famoso" estado de paśu ou indivíduo limitado, como a imagem da lua refletida na água. Portanto, será o Seu Poder que mostrará a Verdade novamente, isto é, que o reflexo não pode afetar o que está se refletindo. Quando alguém se dá conta dessa Verdade, isso é libertação final da sua escravidão auto-inventada.Return 

6  Corpo, sentidos, mundos, etc. são coisas criadas por Śakti. Como elas são assim, podem ser eliminadas por Śakti também. Mas esse Glorioso Śiva, que é o Grande Mestre, é Śaktimān ou o Possuidor de Śakti. Então, como Ele poderia ser criado pelo Seu próprio Poder? E, já que Ele não é criado, também não pode ser destruído. Esse é o sentido de: "No entanto, produção e eliminação nunca existem em relação a Caitanya ou Consciência em Liberdade Absoluta, (isto é,) ao Senhor Eterno".

Apenas um Ser (Śiva) aparece como todos esses sujeitos e objetos que alguém pode perceber e, ao mesmo tempo, Ele mora em todos eles como o Experimentador ou Conhecedor de tudo. Enquanto Ele parece um experimentador individual (como a imagem da lua refletida na água), mantém a Sua condição como o Experimentador universal (a própria lua). Esse é o significado.

Como resultado de tudo isso, não há como essa doutrina não dualista denominada Trika possa ser removida ou refutada.Return 

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 Informação adicional

Gabriel Pradīpaka

Este documento foi concebido por Gabriel Pradīpaka, um dos dois fundadores deste site, e guru espiritual versado em idioma Sânscrito e filosofia Trika.

Para maior informação sobre Sânscrito, Yoga e Filosofia Indiana; ou se você quiser fazer um comentário, perguntar algo ou corrigir algum erro, sinta-se à vontade para enviar um e-mail: Este é nosso endereço de e-mail.